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Explorando a Inglaterra pelos passos de Shakespeare

Aqueles chegados em uma conspiração dirão que William Shakespeare não foi o verdadeiro autor das peças atribuídas a ele. Alguns mais radicais podem até defender que o dramaturgo inglês sequer existiu. Pois desde 1999, o ex-ator Declan McHugh se dedica a explorar o centro financeiro de Londres à frente de um tour guiado, expondo provas da vida do Bardo – que teria circulado por aquelas mesmas ruas na virada do século 16 para o 17.

Entre uma explicação e outra, McHugh declama versos de seu ídolo, sobre o qual mantém um acervo de 800 publicações. Ele próprio planeja lançar um livro sobre a “Londres de Shakespeare”, resultado de toda a vasta pesquisa que embasa o seu walking tour.

Shakespeare, afinal, demanda imaginação. Já era assim na sua época, quando a maioria das peças era apresentada sem cenários nem figurinos e os papéis femininos tinham de ser obrigatoriamente vividos por atores jovens. E continua assim ainda hoje, quando se busca ver a Inglaterra em que ele viveu ou entender sua vida e obra.

De toda sua carreira, não restam manuscritos originais, mas o First Folio, livro publicado por dois amigos depois da morte de Shakespeare, registra 37 peças de sua autoria. Da sua vida pessoal, há cerca de 20 documentos, como os registros de batismo e óbito, compra de imóveis e testamento.

De fato, o dramaturgo deixou um grande legado: encabeçou uma fasemuito profícua das artes dramáticas na Inglaterra, conhecido como teatro elisabetano, e da própria língua inglesa, à qual acrescentou cerca de 3 mil novas palavras. Shakespeare – o Bardo, contador de histórias – tinha o dom de entreter todo o povo igualmente, dos pobres aos ricos, que iam ao mesmo lugar em busca da mesma diversão: o teatro.

Declan, o ator guia, está certo, enfim. Ninguém fictício poderia construir um legado dessa magnitude. Basta circular pela Inglaterra de mente e olhos abertos para ver a vida e a obra de Shakespeare se materializarem – seja em Londres, onde ele fez fama e dinheiro no teatro; seja em Windsor, cenário da única peça a se passar no Reino Unido daquele tempo; seja em Stratford-Upon-Avon, onde ele nasceu e morreu.

 

Londres: o palco de Shakespeare

É verdade que Shakespeare jamais reconheceria a Londres de hoje. Mas em sua época, 1592 em diante, a cidade já era cosmopolita. Estava em rápida expansão e a população chegou a quadruplicar em menos de cem anos por conta das atividades mercantis, em parte sob o comando da rainha Elizabeth I.

Quase tudo que o dramaturgo conheceu veio abaixo no grande incêndio de 1666. Mas as áreas de Blackfriars e Southwark, onde ele trabalhou e morou, ainda guardam as principais referências aos interessados em desvendar sua vida. No fim do século 16, a nobreza vinha a essas zonas fora dos limites de Londres, então “depravadas”, em busca de diversão “mundana”: teatros, bordéis, rinhas de cães e ursos, jogatinas, bebedeira.

O museu Tate Modern ao fundo
O museu Tate Modern ao fundo (foto: Visit Britain)

O centro efervescente de tudo isso é hoje a região de Bankside, que, de forma muito mais cool e cult, continua sendo um point cultural de Londres. À beira do Rio Tâmisa, reúne galerias, museus, teatros, bares e restaurantes bacanas – inclusive o todo-poderoso da arte contemporânea Tate Modern.

Entre os teatros dali, um se destaca por remeter especialmente aos tempos de Shakespeare: o The Globe, uma das principais playhouses de Londres entre 1599 e 1642, quando foi fechado pelos protestantes puritanos. Ali eram encenadas as peças da companhia Chamberlain’s Men, da qual ele fazia parte como ator, dramaturgo e, mais tarde, sócio.

Globe Theatre
Globe Theatre (foto: shutterstock)

 

Palco do Globe Theatre
Palco do Globe Theatre (foto: shutterstock)

O atual Shakespeare’s Globe é uma réplica do que teria sido o teatro, localizado originalmente a 200 metros dali. É um projeto do cineasta americano Sam Wanamaker, que, visitando a capital inglesa em 1949, ficou desapontado ao ver que tudo o que havia no lugar original do Globe era apenas uma placa. Ele, então, empreendeu esforços para erguer uma reconstrução com base em descritivos da época, desenhos e trabalhos arqueológicos – até mesmo o método de construção, à base de madeira e junco, foi replicado.

A casa, inaugurada em 1996, reproduz um típico teatro elisabetano. Hoje, a Globe Theatre Company se apresenta ali entre abril e outubro, encenando tanto peças de Shakespeare como de novos autores. A capacidade é de 1.600 espectadores e os preços começam em £ 5.

O complexo também conta com um segundo teatro, a Sam Wanamaker Playhouse, que reproduz outro antigo teatro coberto no mosteiro de Blackfiars, onde Shakespeare também trabalhava com sua companhia. Aqui, as peças acontecem no inverno, à luz de velas, e custam a partir de £ 10.


O que é um teatro elisabetano?

Inspiradas em arenas de lutas entre animais, as playhouses dos séculos 16 e 17 eram feitas de madeira, a céu aberto, com plateia circular e em diferentes níveis ao redor de um palco ornamentado com duas colunas. Na época de Shakespeare, mais de 3 mil pessoas se reuniam no Globe durante o dia, no verão, para assistir às encenações. Na área central, mais barata, ficavam os espectadores pobres, chamados de penny stinkards, em pé. Nas arquibancadas cobertas, distribuíam-se os mais abastados, em camarotes ou balcões.


Além das apresentações, há uma exposição com audioguia conjugada com um tour guiado de 45 minutos para conhecer a história do Shakespeare’s Globe. Outra opção de passeio leva ao local do antigo The Rose, a um quarteirão dali – trata-se do primeiro teatro elisabetano de Bankside, aberto em 1587 e único a ser escavado. Ao prepararem terreno para a construção de um edifício corporativo em 1989, descobriram-se as fundações originais da playhouse – que serviram de inspiração para o projeto atual do Globe.

Ali foram encontrados materiais arqueológicos que ajudam a entender a vida cotidiana dos séculos 16 e 17, como pedaços de cachimbos, joias, cascas de amêndoas usadas para amaciar o chão e restos de comida. As ruínas, hoje, seguem preservadas no subterrâneo de um prédio de escritórios, protegidas por água e demarcadas com luzes vermelhas. Um pequeno espaço ao lado delas serve de palco para encenações de Shakespeare. A ideia é que, futuramente, haja ali um museu sobre a história do The Rose, expondo sua história e os itens encontrados nas escavações.

Mas esta é a Londres “óbvia” do Bardo. Com afinco, encontram-se muitas referências escondidas do outro lado do Tâmisa, nos arredores do antigo mosteiro de Blackfriars – justamente a área explorada por Declan McHugh, o ator guia do tour Shakespeare in The City Walk. Esse convento foi fechado em 1538 por decreto do rei Henrique VIII, que rompeu com a Igreja Católica e fundou sua própria religião para poder se casar com Ana Bolena.

Abandonado, o Blackfriars teve seu refeitório convertido em teatro pela companhia de Shakespeare, como um complemento ao The Globe, que ficava do outro lado do rio. Ali, em ambiente fechado, as peças podiam ser encenadas mesmo no inverno, para um púbico notavelmente mais abastado.

Hoje já não resta nada do mosteiro, a não ser o nome emprestado ao bairro e à estação de metrô, que serve de linha de partida para o tour de McHugh. A partir dali, ele desvenda uma série de pontos de interesse – alguns demarcados com placas de identificação, outros completamente despercebidos.

É também um jeito interessante de explorar o que hoje é o coração financeiro de Londres, onde prédios modernos sombreiam ruelas medievais. Poucos turistas parecem se embrenhar por ali, restringindo-se quase sempre aos limites da monumental Catedral de St. Paul.

Millenium Bridge e Catedral de St. Paul
Millenium Bridge e Catedral de St. Paul (foto: shutterstock)

 

Os “segredos” de Shakespeare em Londres

– Playhouse Courtyard: é o pátio de um edifício corporativo sob o qual descansam as fundações do mosteiro – as únicas ruínas sobreviventes despontam perto dali, sem nenhuma placa indicativa.

– The Cockpit: pub que ocupa o antigo local onde, há 400 anos, Shakespeare comprou uma casa na Ireland Yard.

– King’s Wardrobe: terreno do antigo “closet” real, em que o dramaturgo teria ido pegar emprestado um tecido vermelho para representar a monarquia em suas peças.

– The Bell: o endereço que consta na única carta endereçada a Shakespeare de que se tem notícia atualmente era, na época, um pub; hoje, é edifício corporativo.

– The Seven Ages of Man: escultura representando as sete fases da vida de um homem, inspirada na peça Como Gostais.

– Memorial a John Heminge e Henry Condell: debaixo de um busto de Shakespeare, estão sepultados os publicadores do First Folio.

Agora, se parece muito sério seguir os segredos de Shakespeare por uma hora e meia, talvez você goste de fazê-lo incluindo um pub aqui e outro ali. A empresa Mind The Gap tem passeios guiados que cobrem as áreas de Southwark e Blackfriars enquanto faz uma espécie de “pub tour”, entrando em alguns dos mais tradicionais bares de Londres.

À escolha do freguês, o roteiro pode esticar até a outra margem do Tâmisa, de volta a Southwark, onde fica o lendário The George Inn, indiscutivelmente, o pub mais famoso da cidade – tão importante que faz parte do patrimônio nacional. A construção atual está ali desde 1677, mas as origens são ainda mais antigas.

Acredita-se que Shakespeare esteve em seu pátio avarandado, que serviria de palco para apresentações teatrais – e possivelmente teria inspirado o formato e a disposição dos teatros elisabetanos. Hoje, como um bom e velho pub, é um ótimo lugar para provar a tradicional combinação de fish ‘n’ chips com uma pint de cerveja. Ou então, guarde a fome para as variadas opções de comida do Borough Market, logo ao lado.

Por ali, a Southwark Cathedral, do século 12, também oferece algo de Shakespeare a quem procura. É Edmond, irmão de William, que está enterrado ali, mas o dramaturgo é lembrado com um belo vitral colorido, retratando vários de seus personagens memoráveis. Outra igreja de Londres, ainda mais imponente, faz sua homenagem ao Bardo: a abadia de Westminster.

Abadia de Westminster
Abadia de Westminster (foto: Visit Britain)

O suntuoso templo gótico do século 13 é palco de todas as coroações da história inglesa – mais recentemente, sediou o casamento de William e Kate. Muitos monarcas estão enterrados aqui, como os dois reis protagonistas de peças shakespearianas, Henrique V e Ricardo II, além de grandes nomes da história, como Charles Darwin, Isaac Newton, Charles Dickens e Laurence Olivier.

Há um espaço dedicado a escritores da língua inglesa, vigiado por uma estátua de Shakespeare. Ao lado, repousam versos de A Tempestade – sua última peça, que, acredita-se, seria também uma espécie de despedida, muito compatível com o fato de que poucos registros tenham sobrado de sua vida… “As torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se sem deixarem vestígio.”

 

Pubs para beber e comer nas vizinhanças de Shakespeare

The Southwark Tavern: perto do Borough Market, ocupa, desde 1864, uma antiga prisão, cujas celas no subterrâneo agora dão lugar a aconchegantes salinhas individuais para tomar uma pint dos mais de 20 tipos de cervejas.

The Rake: conhecido como o menor pub de Londres, serve mais de 130 tipos de cerveja, além de sidras e vinhos. As paredes são forradas de assinaturas – dizem que apenas produtores de cerveja podem gravar seu nome ali.

The Cockpit: ocupando o terreno onde antes ficava a casa de Shakespeare no mosteiro de Blackfriars, foi um famoso local de briga de galo até 1849. Hoje, é ideal para tomar uma cerveja em um típico ambiente de pub.

The Blackfriar: o ícone da arquitetura art nouveau, construído em 1905, tem interior rebuscado, dividido em um salão de jantar mais refinado e a área “comum”. Serve pratos clássicos de pubs, como tortas, fish ‘n’ chips e sanduíches. bit.ly/blackfriarlondres

Ye Olde Cheshire Cheese: em atividade desde o século 16, a porta discreta em um beco esconde uma sucessão de salas escuras, famosas por receberem grandes nomes da literatura, como Charles Dickens e Sir Arthur Conan Doyle. Sua mascote foi, por 40 anos, o papagaio Polly, que virou notícia no mundo quando morreu, em 1926.

 

Windsor: a terra das comadres (e da rainha)

Praticamente toda quinta ou sexta-feira, a rainha Elizabeth II deixa o Palácio de Buckingham rumo a Windsor, uma pequena cidade a 40 quilômetros de Londres, que guarda o mais antigo e maior castelo ainda habitado do mundo. A construção é do século 11, quando a Inglaterra foi invadida pelos normandos.

Desde então, por mais de mil anos, essa tem sido uma das residências oficiais da monarquia – e é o lugar que a rainha, crescida naquelas terras, chama de “lar”, enquanto Buckingham é seu “escritório”. Windsor é, também, um dos locais em que ela recebe chefes de Estado para eventos oficiais, além de outros convidados especiais, como os membros da Ordem de Garter, a mais antiga cavalaria da Inglaterra, fundada em 1348.

Muita gente faz bate-volta de trem a partir de Londres, mas passar uma noite aqui, depois do frenesi da capital, pode ser refrescante. Uma visita ao Castelo de Windsor é uma viagem no tempo, que percorre uma série de cômodos escancarando a riqueza e a opulência da Família Real britânica. Ali está exposto um riquíssimo acervo de mobiliário, obras de arte, porcelanas, armas e tapeçarias acumulados ao longo dos séculos – boa parte ainda utilizada em algumas ocasiões.

Castelo de Windsor
Castelo de Windsor (foto: shutterstock)

Impressiona a St. George’s Chapel, onde está enterrado o rei Henrique VIII com Jane Seymour, a preferida entre suas seis esposas; o rei Charles I, único monarca condenado à morte na história inglesa; e o rei George VI, pai da atual rainha. Não deixam por menos a Waterloo Chamber, usada para jantares pequenos; os cômodos que reproduzem o quarto do rei; a sala do trono; e o St. George’s Hall, que sedia grandes banquetes para até 160 pessoas.

Outro grande destaque é a Casa de Bonecas da Rainha Maria, miniatura de um palacete aristocrata na escala de 1:12, construída no começo dos anos 1920 como um presente. Móveis, objetos, tapetes, utensílios domésticos, tronos: absolutamente tudo ali é reproduzido em miniversões por marcas e artistas consagrados, como Cartier, Louis Vuitton, Hermès e Lanvin. E a casa funciona de verdade: há eletricidade, água corrente, carros com motores, garrafinhas cheias de bebidas e livros escritos especialmente para a pequena biblioteca por autores como Sir Arthur Conan Doyle.

Waterloo Chamber
Waterloo Chamber (foto: divulgação)

De setembro a março, os belíssimos Semi-State Rooms, que compõem os apartamentos de uso pessoal da rainha, abrem ao público. São, provavelmente, a parte mais opulenta do castelo. Já no verão, os visitantes têm acesso à cozinha real e aos jardins privativos da monarca. Eles fazem parte do Windsor Great Park, uma enorme área verde repleta de carvalhos centenários, originalmente um bosque de caça para os reis normandos.

O parque é cortado pelo famoso Long Walk, um caminho com seis quilômetros ladeados de árvores. O único carro autorizado a passar ali é o da rainha, que costuma, ela mesma, assumir o volante. Aos “súditos”, resta caminhar, fazer piqueniques, passear com os cachorros ou, quem sabe, no verão, até tirar uma soneca na grama.

Ao longo do ano inteiro, ocorre no castelo a cerimônia de troca da guarda (diariamente, de abril a julho, e em dias alternados nos demais meses, às 11h). A vantagem em relação ao Palácio de Buckingham é que, aqui, o público pode chegar muito mais perto.

Depois de passear pelo castelo, vale dar uma volta pela pequena e charmosa cidade, que tem lojinhas e restaurantes concentrados ao redor da High Street. Vá espiar o Guildhall, espécie de prefeitura do século 17 onde o príncipe Charles e Camilla se casaram em 2005 – bem como Elton John e David Furnish, que vivem em Windsor. A sala Mayors Parlour expõe retratos de quase todos os monarcas ingleses.

Se a ideia for almoçar ou jantar por aqui, a dica é o Bel & The Dragon, cujo prédio está ali desde o século 11, como pousada para viajantes a caminho de Londres. Hoje restaurante e tea room, serve versões modernas de clássicos britânicos, como fish ‘n’ chips, porco assado, cordeiro cozido e torta de peixe. Ingredientes frescos e sazonais são a premissa do chef Ronnie Kimbugwe, pupilo de Gordon Ramsay.

Depois, atravessando a pequena ponte sobre o Tâmisa, está Eton, outra minicidade famosa pelo Eton College, escola para garotos fundada no século 15 e, hoje, uma das instituições de ensino mais tradicionais (e caras) do país.

Os príncipes William e Harry, além do ator Eddie Redmayne e do primeiro-ministro David Cameron, já passaram pelas salas de Eton. Os alunos usam uniformes pretos, dividem dormitórios, só voltam para suas casas em feriados e frequentam aulas em prédios antiquíssimos. Alguém aí se lembrou de Harry Potter?

 

Stratford-upon-Avon: o berço de tudo

 Ao contrário de Londres, Shakespeare talvez reconhecesse sua terra natal, Stratford-upon-Avon, nos dias de hoje. Ela ainda preserva os ares de quando era uma próspera cidade comercial durante a dinastia Tudor, com casas de arquitetura típica do período (séculos 15 a 17) ao redor de poucas ruas: Henley, Bridge, Wood, High, Sheep Streets…

E talvez o dramaturgo ficasse impressionado em ver seu rosto e seu nome estampados em praticamente todo canto – de hotéis a pubs, de teatro a atrações históricas, de lojas a casas de chá. Afinal, é por causa dele que os turistas vêm até essa pequena cidade de 26 mil habitantes à beira do Rio Avon, a 170 quilômetros de Londres – seja para ver sua casa ou seu túmulo.

É aqui, em sua cidade de origem, que as lendas e teorias da conspiração definitivamente caem por terra. Ao contrário de Londres, as evidências de sua vida são muito mais palpáveis e demandam menos imaginação. William Shakespeare nasceu em abril de 1564, filho de John, fabricante de luvas, e Mary, fazendeira.

Há registros de seu batismo no dia 26 e, como o costume na época era batizar três dias após o nascimento, determinou-se o dia 23 como seu aniversário – uma ideia romântica, já que é a mesma data de sua morte, 52 anos depois, e ainda o Dia de São Jorge, padroeiro da Inglaterra.

Atualmente, há cinco casas abertas à visitação que, de alguma forma, estão ligadas ao dramaturgo: Birthplace, Hall’s Croft, Harvard’s House, Anne Hathaway’s Cottage e Mary Arden’s Farm. Visitadas individualmente ou combinadas em um mesmo ingresso, elas fazem parte do Shakespeare Bithplace Trust, que guarda a maior coleção relacionada ao escritor, com quase um milhão de itens.

Anne Hathaway’s Cottage
Anne Hathaway’s Cottage (foto: shutterstock)

Uma pequena parte é selecionada para as exibições temporárias do Birthplace, a casa onde ele nasceu e cresceu, que hoje abriga um interessante museu – cuja peça de destaque é um exemplar do First Folio. O prédio do museu em si é uma adição moderna à casa original, que permite ter uma ideia de como era, no século 16, a vida de uma família de classe média com cinco filhos – sendo Shakespeare o mais velho.

Os objetos e as mobílias são reconstituições de relatos da época ou de similares originais. É possível ver a ostentação do quarto de hóspedes, uma regalia exposta à rua para que todos pudessem ver que, naquela casa, sobrava dinheiro a ponto de as visitas ficarem com a melhor cama. Tem, ainda, a oficina de John Shakespeare, a cozinha, o quarto dos pais (em que Shakespeare teria nascido) e o jardim, onde há uma velha árvore que se acredita ser daquele tempo. Guias em trajes de época fazem explicações sobre os ambientes e os costumes de então e declamam trechos de peças escolhidas pelos visitantes.

Birthplace
Birthplace (foto: Shakespeare Birthplace Trust)

Outras duas casas ficam no centro de Stratford, a poucos minutos de Birthplace. A Hall’s Croft é a elegante casa onde Susanna, filha de Shakespeare, morou com o marido, o conceituado médico John Hall. A construção reflete o bom status do casal, inclusive no belo jardim em que Hall plantaria ervas medicinais. Um tour pela residência, que também é mobiliada e decorada nos moldes do século 17, permite, ainda, aprender um pouco sobre as terapias de saúde da época.

Um plus que não chega a ter ligação direta com Shakespeare, mas que representa bem a prosperidade de uma família durante a dinastia Tudor, é a Harvard’s House, um dos exemplos mais bem-preservados de arquitetura elisabetana. A fachada tem esculturas em carvalho e janelas com vitrais coloridos, enquanto o interior exibe painéis pintados nas paredes.

O proprietário da casa, Thomas Rogers, um açougueiro bem-sucedido, era avô de John Harvard, professor que se mudou para os Estados Unidos e ajudou a construir a reputação da universidade que hoje leva seu sobrenome, perto de Boston.

Logo em frente, está o Shakespeare’s New Place. Rico com o trabalho em Londres, William retornou a Stratford em 1597 e comprou a maior casa da cidade. A construção não existe mais, mas seus jardins foram reimaginados de acordo com escavações arqueológicas e modelos da época.

Ao lado, a Nash’s House, pertencente ao marido de Elizabeth Hall, neta do escritor, vai sediar uma nova exposição. Outra novidade, prevista para 23 de abril, é a Schoolroom & Guildhall, o prédio que abrigava a única escola da cidade nos tempos de Shakespeare – e que, portanto, acredita-se ter sido frequentada por ele entre 1571 e 1578. Ali, ele teria aprendido a ler e tido, também, seu primeiro contato com o teatro. A atração permitirá aos visitantes, entre outras coisas, experimentar como seria uma sala de aula nos tempos elisabetanos.

Também nessa pegada “viva o passado”, o museu Tudor World vai além de Shakespeare e mostra como era a vida no século 16, com bonecos em tamanho natural e cenários que reproduzem uma sala de jantar, uma taverna, um “consultório” médico, um quarto tomado pela peste e um mercado de rua. Tudo em uma casa que outrora pertenceu a William Rogers, tido como uma das possíveis inspirações para Shakespeare criar seu icônico personagem John Falstaff, das peças Henrique V e As Alegres Comadres de Windsor.

Nos arredores de Stratford estão as duas outras casas relacionadas a Shakespeare – e cobertas por ônibus hop on-hop off. Em Wilmcote, a Mary Arden’s Farm é a propriedade antes pertencente à família da mãe de William. Além de reproduzir cômodos da época, tem atividades típicas de uma fazenda Tudor, como cuidados com os animais, exibição de falcoaria, demonstrações de trabalhos do ferreiro e do pastor, apresentações de música e dança e preparação do jantar. Perto dali, o Anne Hathaway’s Cottage preserva a casa campestre onde a futura esposa de Shakespeare morava com a família.

Mary Arden’s Farm
Mary Arden’s Farm (foto: Shakespeare Birthplace Trust)

Ali é possível ver mais reproduções de cômodos, com mobiliário original. Um dos destaques é uma cadeira que se acredita ter sido do escritor, talhada com elementos de seu brasão. Há, ainda, um belo jardim, com esculturas relacionadas às obras shakespearianas.

Assim como a vida pessoal, a obra de Shakespeare também permanece viva em sua Stratford natal. Criada em 1875, a Royal Shakespeare Company (RSC) é hoje um dos mais importantes grupos teatrais do Reino Unido, encenando peças de Shakespeare, bem como de seus contemporâneos e autores modernos.

À beira do Rio Avon, o prédio original, de 1932, foi totalmente renovado em 2011 e agora conta com dois teatros elisabetanos – o Royal Shakespeare Theatre, para 1.060 espectadores, e o The Swan, para 450 pessoas.

Não muito longe dali, Shakespeare finalmente descansa em paz no mesmo local onde foi batizado, abaixo de um monumento em sua homenagem. A Holy Trinity Church, do século 13, guarda o túmulo de William, ao lado da esposa Anne Hathaway e de outros parentes.

Ali estão registradas aquelas que seriam, oficialmente, suas últimas palavras, alertando qualquer intruso que ouse perturbar seu merecido descanso: “Livra-te, meu caro amigo, por amor de Jesus/ De remexer na poeira encerrada aqui/ Bendito seja o que evitar estas pedras/ E maldito o que incomodar os meus ossos”. Que assim seja, Bardo.

Rio Avon e a Holy Trinity Church ao fundo
Rio Avon e a Holy Trinity Church ao fundo (foto: shutterstock)

 


Amor e família na vida de Shakespeare

Anne Hathaway tinha 26 anos quando se casou grávida com o jovem William, de 18 anos – algo que deve ter sido malvisto pela sociedade, pois não era comum homens se casarem tão novos, tampouco com mulheres mais velhas. Não há consenso sobre o tipo de casamento que eles tinham – há poucas menções a ela em sonetos e poesias de Shakespeare. Em seu testamento, porém, ele deixa à esposa “a segunda melhor cama”, que estudiosos julgam ser a matrimonial, já que a melhor era reservada aos hóspedes.

O casal teve três filhos – Susanna e os gêmeos Hamnet, que morreu aos 11 anos, e Judith. A família ficou em Stratford enquanto Shakespeare prosperava em Londres a partir do final dos anos 1580 – e, conforme seus sonetos, envolvia-se com a ardente Dark Lady e o misterioso Fair Youth. Os quatro netos de William e Anne morreram sem deixar filhos, acabando, assim, com a linhagem direta da família.


 

* Viagem a convite do Visit Britain, com seguro VitalCard

 

+ 8 CLÁSSICOS LONDRINOS

 

  1. Tower of London

A Torre de Londres é uma fortaleza construída há mil anos às margens do Tâmisa, ao pé da icônica Tower Bridge. Aqui ficam expostas as Joias da Coroa, tesouros da Família Real guardados pelos soldados beefeaters.

Estação Tower Hill do metrô, hrp.org.uk/tower-of-london. £ 25

Tower of London
Tower of London (foto: shutterstock)

 

  1. London Eye

Com cerca de 140 metros, é a mais alta roda-gigante da Europa e a terceira do mundo. Cada uma das 32 cápsulas tem capacidade para até 25 pessoas.

London Eye
London Eye (foto: shutterstock)

 

  1. Mirante do The Shard

Prédio mais alto da Europa, com de 300 metros de altura, o The Shard tem mirante entre os andares 69 e 72 para ver Londres se esparramando lá embaixo.

The Shard
O The Shard é o prédio mais alto de Europa (foto: shutterstock)

 

  1. Musicais de West End

Ao redor da Piccadilly Circus, West End é a Broadway de Londres, com uma série de teatros, telões de LED, lojas, luzes de néon e restaurantes. Em cartaz, estão musicais clássicos como O Rei Leão, O Fantasma da Ópera e Mamma Mia! Nosso destaque vai para a premiada peça The Curious Incident of the Dog in the Night-Time.

Musical em West End
Musical em West End (foto: Visit Britain)

 

  1. Palácio de Buckingham

O Palácio de Buckingham é a residência oficial da monarquia desde 1837. De julho a outubro, abrem ao público os State Rooms, usados em eventos oficiais da Família Real. A troca da guarda é um clássico que acontece às 11h30, diariamente, de abril a julho, e em dias alternados no restante do ano. Perto dali, fica o Palácio de Westminster, sede do Parlamento, com seu célebre relógio Big Ben.

Palácio de Buckingham
Palácio de Buckingham (foto: Visit Britain)

 

  1. Churchill War Rooms

O bunker de onde o primeiro-ministro Winston Churchill comandou os esforços da Segunda Guerra Mundial mantém intactas as salas de reunião e os quartos reservados aos líderes do governo, além de expor fotos, áudios e vídeos da época.

 

  1. Markets

As feiras de rua e os mercados de Londres vendem de tudo – de flores a antiguidades, de comidas a roupas, de artesanatos a obras de arte. Covent Garden, Camden Lock, Brick Lane e Portobello Road são alguns dos markets mais famosos.

Covent Garden Market
Covent Garden Market (foto: shutterstock)

 

  1. Palácio de Kensington

Próximo ao Hyde Park, o palácio do século 17 é a residência oficial de William, Kate, George e Charlotte. Tem uma ala aberta ao público com exposições sobre a realeza, como a Fashion Rules Restyled, sobre as roupas e o estilo da rainha Elizabeth II, de Lady Di e da Princesa Margaret.

Palácio de Kensington
Palácio de Kensington (foto: shutterstock)

 

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