Descubra a encantadora Salzburgo, palco do clássico cinematográfico ‘A Noviça Rebelde’, onde a história se encontra com a beleza dos Alpes.
Duas horas e meia de trem separam a capital da Áustria da segunda cidade mais visitada do país, Salzburgo. Aliás, não é só o tempo da viagem que as divide, mas também a história, a arquitetura, o ritmo de vida… Porque Salzburgo tem uma pegada bem diferente de Viena.
Nada de amplos bulevares, parques imensos e palácios imponentes se espalhando por uma planície. Ao contrário disso, ruazinhas estreitas e tortuosas, que sobem e descem colinas, serpenteando por entre dezenas de igrejas – 35 delas, especificamente. Sim, minha segunda parada foi na Cidade das Igrejas.
Esse título faz todo sentido. Antes de tudo, saiba que essa cidade passou muito mais tempo “fora” da Áustria do que dentro dela. Isso porque Salzburgo sobreviveu como um enclave independente por mais de 1.100 anos.
Do século 8º ao século 19, foi a maior cidade-estado cristã fora da península itálica, governada por autoridades religiosas de alta patente chamadas Príncipes-Arcebispos. Daí o apelido de Roma do Norte e a profusão de capelas, igrejas e catedrais.
Só em 1805, no meio da bagunça espalhada por Napoleão Bonaparte e suas guerras, é que Salzburgo acabou anexada pelo então Império Austríaco. Por isso, basta conversar um pouco com os habitantes locais para perceber um orgulho próprio acentuado, algo como “somos um lugar à parte dentro deste país”.
Terra de Mozart
O orgulho fica ainda mais supremo se o assunto é música. Afinal, foi aqui que nasceu Wolfgang Amadeus Mozart, em 1756. O apartamento onde ele cresceu e viveu até 1773 hoje é um museu disputadíssimo. E minha primeira parada na cidade, aliás.
Mozarts Geburtshaus (Casa Natal de Mozart) é o nome em alemão. Bom anotar porque existe outro local dedicado a ele na cidade: a casa onde sua família morou por alguns anos depois de se mudar dali (também interessante de visitar). Este aqui, porém, no número 9 da Rua Getreidegasse, é obrigatório para o viajante (ingresso: € 12).
É impressionante que o violino que ele tocava quando infante ainda esteja ali. Assim como seu clavicórdio – uma espécie de piano miniatura. Além dos instrumentos musicais e móveis de época, não faltam cartas, diplomas, pinturas e desenhos feitos por ele e seus familiares, permitindo desvendar o seu dia a dia no século 18.
Você sabia, por exemplo, que Mozart tinha um cachorrinho? Sim, seu grande companheiro de infância era Pimperl, um cãozinho fox terrier para quem ele até escreveu um poema – exposto neste museu.
A única coisa que me frustrou na Mozarts Geburtshaus foi a proibição de fotografar ou filmar qualquer coisa lá dentro. Já lhe deixo avisado, caro leitor. Ou broncas, como a que eu tomei ao desrespeitar a regra de celular em mãos, em nome do jornalismo… O mau humor dos funcionários do museu, contudo, é exceção.
Na própria Getreidegasse – uma das ruazinhas medievais mais charmosas que já explorei –, encontrei diversas lojinhas de artesanato em que Wolfgang Amadeus é representado por divertidos patos de borracha, bonequinhos de pelúcia e em camisetas em que diz: “Não tem cangurus na Áustria”, numa piada alusiva à confusão que turistas costumam fazer entre o país e a Austrália…
Música em todo lugar
Mozart, por sinal, está em tudo. Perambulando pelas travessas e becos do centrinho histórico, descobri a Mozartkugel, uma doceria especializada no chocolate de mesmo nome, com a cara do compositor na embalagem.
A guloseima é feita com marzipã, pistache, nougat e cacau. Foi inventada ali perto, no bucólico Cafe Konditorei Fürst. Esses dois estabelecimentos, na minha opinião, são tão mandatórios quanto o museu se você quer realmente entender o espírito da cidade.
Saí de lá direto para o Monumento Mozart, estátua do compositor que vigia a Praça Mozart desde 1842. Em seguida, fui apreciar uma das poucas construções em estilo contemporâneo da cidade, a Universität Mozarteum – renomada faculdade de música que todos os anos forma os melhores instrumentistas das principais orquestras do mundo.
Olha… é tanto Mozart para lá e para cá que dá até para jantar com ele! Ou melhor, com suas composições. Estou falando do Mozart Dinner Concert, um evento que acontece no restaurante mais antigo de Salzburgo, o St. Peter, aberto desde o ano 803 (não, você não leu errado – o restaurante funciona nessa abadia medieval desde o século 9º).
Você ocupa um lugar nas mesas do Salão Barroco e degusta pratos da alta culinária austríaca ao som de uma orquestra de câmara vestida com trajes de época. Acompanhando os instrumentistas, um casal de cantores líricos interpreta as obras de Mozart e confere ares cênicos à apresentação, esbanjando bom humor.
Sentei-me numa das mesas da frente e acabei sendo o alvo da bela soprano, que volta e meia me envolvia nos divertidos dramalhões de opereta. Então, se você é por demais tímido para interagir, pegue uma mesa no fundo. Ou nem vá…
Hospedagem
Refestelado com filés de cordeiro, vinho Riesling de primeiríssima e os falsos olhares lascivos da cantora lírica, voltei para o hotel após as duas horas da farra erudita – uma experiência sem igual em meu primeiro dia de Salzburgo.
Falando em hotel, a despeito dos ares nobres da cidade, existem opções para todos os bolsos. É claro que as alternativas mais em conta ficam nos bairros novos, que não exibem nem de longe a classe do centro histórico, tombado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.
Eu dei a sorte de me hospedar no melhor ponto de Salzburgo a parcos € 89 por noite. É que alguns prédios históricos do centro abrigam hotéis 3 estrelas com excelente qualidade, mas a preços baixos, devido à impossibilidade de oferecer modernices como spa, piscina, restaurante ou rooftop bar.
Instalado num predinho pitoresco do ano 1408, o Star Inn Gablerbräu, da rede Quality, não tem nada disso, mas o quarto era excelente: amplo, bem conservado, limpíssimo e dotado de ar-condicionado, TV de tela plana, máquina de espresso, geladeira, cofre e Wi-Fi decente. Além disso, ainda deixaram uma garrafa de espumante como cortesia!
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Vida além de Mozart
Após uma boa noite de sono, encarei o café da manhã no próprio hotel e parti para um tour a pé pelas principais atrações não ligadas a Mozart. Porque elas existem e são muitas.
Aqui vale uma dica, aliás: adquirir o Salzburg Card, que dá acesso gratuito a todo o sistema de transporte, além de entrada franca ou desconto em muitos museus e passeios. O cartão válido por 24 horas.
Munido desse passe, eu já tinha entrado de graça na Casa Natal de Mozart (lembra?). Agora, usei para visitar o Monastério e as Catacumbas de St. Peter.
Pode parecer estranho, mas as tais catacumbas e todo o cemitério em volta delas formam um cenário florido e encantador. Os primeiros funerais foram feitos ali na Idade Média, por volta do ano 700, e desde então o local virou um destaque na paisagem de Salzburgo.
Muita gente importante repousa ali – de familiares de Mozart ao general norte-americano Harry Collins, o responsável pela libertação do campo de concentração de Dachau (Alemanha), no final da Segunda Guerra Mundial.
Já o Monastério, além da suntuosidade de seus corredores e salas, impressiona por tudo oque já ocorreu ali dentro. Basta dizer que Mozart e Haydn cansaram de tocar para o alto e o baixo clero nesse ambiente.
Depois, fui conhecer o Festspielhauses – complexo de auditórios onde se realiza anualmente o célebre Festival de Salzburgo. Em 2020, esse megaevento de ópera, concertos e teatro comemorou 100 anos. Uma época fantástica para visitar a cidade, a despeito dos preços elevados de hospedagem, obviamente.
DomQuartier
Vaguei também pela agradável margem do Rio Salzach e pelos jardins majestosos do Palácio Mirabel (entrada gratuita), a joia barroca do ano 1606, erguida pelo Príncipe-Arcebispo Wolf Dietrich von Raitenau para sua amante Salomé Alt, com quem teve 15 filhos. Mesmo sendo – em tese – um religioso celibatário. Coisas daqueles tempos loucos…
Wolf Dietrich, convém avisar, é o segundo nome mais citado nos guias turísticos de Salzburgo, depois de Wolfgang Amadeus Mozart e antes de Christian Doppler (o físico que descobriu o “efeito doppler”, base científica dos radares e aparelhos de ultrassom modernos).
Isso porque esse príncipe-arcebispo que viveu entre 1559 e 1617 foi o responsável pela reforma da cidade e pela contrarreforma da religiosidade. Em outras palavras, Wolf Dietric expulsou os protestantes em nome do catolicismo e construiu benfeitorias urbanas em nome do bem-estar geral.
Graças a ele, temos hoje o gigantesco complexo conhecido como DomQuartier. Trata-se de uma catedral católica fisicamente ligada à residência real e a uma série de prédios governamentais, que hoje abrigam museus e galerias de arte. Sem falar nos belos terraços com vista panorâmica.
Dá para se perder por um dia todo ali, saltando de edifício em edifício. Mas o ideal é gastar em média € 10 e cumprir a visita com audioguia, já que a maior parte do acervo é de artistas medievais e barrocos não muito famosos, ainda que magníficos. Sem falar nas curiosidades arquitetônicas, devidamente explicadas nos guias.
Goldgasse
A caminhada matinal me deu fome, mas isso não é problema numa cidadezinha tão compacta. Em três minutos fui do DomQuartier a uma joia gastronômica escondida nas vielas de Salzburgo. Falo do Goldgasse, um hotel e restaurante na rua de mesmo nome, onde os locais costumam ir almoçar. Ou seja, nada de “armadilha pega-turista”.
Pequeno, charmoso e, sobretudo, histórico, o Goldgasse tem chefs premiados por suas invenções culinárias, mas que adotaram como sua bíblia o livro oficial de receitas de Conrad Hagger, o cozinheiro dos príncipes de Salzburgo no início do século 18.
Aliás, essa obra antológica da gastronomia austríaca está ali exposta, protegida em uma redoma de vidro, para quem quiser ver e fazer uma selfie.
Nesse restaurante encarei um beef tartar com direito a carne de gado da raça Simental, azeite de trufas e manteiga da fazenda, assim como uma torta de maçã digna de aplausos. Tudo isso acompanhado de uma Trumer Pils, a cerveja local nove vezes premiada com a medalha de ouro em concursos internacionais.
Hohensalzburg
“Já posso ir embora para o Brasil”, pensei. Mas mudei de ideia rapidamente ao lembrar que os planos para o período da tarde envolviam subir um penhasco de 130 metros de altura. A bordo de um pitoresco funicular, é claro, já que de alpinista eu não tenho nada.
Estou falando do passeio mais marcante de toda a jornada por essa Roma do Norte. Algo que a Roma de verdade não ostenta: uma fortaleza medieval dramaticamente debruçada sobre si, conhecida como Forte de Hohensalzburg.
Esse é o ápice (literalmente) do turismo em Salzburg. Com seus paredões de rocha por sobre os quais um castelo foi construído e reconstruído ao longo dos séculos, o Hohensalzburg hoje atrai milhares de visitantes diariamente.
Parece cenário de filme de Hollywood, mas é real. No complexo todo, há dezenas de salões para visitar, cada um com sua história, além de quatro museus.
Museus
Se você tem filhos, eles vão adorar o Museu das Marionetes. Ele fica na antiga adega da fortaleza, onde são expostos mais de 40 bonecos – alguns animados eletronicamente, com música e tudo.
Perfeitas nos detalhes, as marionetes servem para divertir a gurizada e educar os adultos. Qual não foi minha surpresa, por exemplo, ao ver ali representadas figuras fundamentais da história local, como, obviamente, o príncipe-arcebispo Wolf Dietrich? Ou, ainda, os personagens do musical A Noviça Rebelde (falaremos mais dele adiante…)?
Além disso, outro museu que impressiona é o do Regimento Rainer, uma unidade militar criada durante a guerra contra o Império Turco Otomano, em 1682, e dissolvida apenas 236 anos depois, no final da Primeira Guerra Mundial.
Das espadas, armaduras e arcaicas espingardas do século 17 aos canhões e metralhadoras de 1918, tudo está ali, ilustrando histórias épicas de batalhas, cercos e tratados de paz. Mesmo quem não é lá muito fã de história militar acaba se impressionando com a saga humana contida nesse museu.
Tem ainda o próprio Museu da Fortaleza, os terraços panorâmicos com vista inigualável da cidade e seus arredores, além de cafés, restaurante e lojinhas de suvenires. Enfim um passeio para o dia todo.
Peguei o funicular de volta ao centro histórico, lá embaixo, novamente filosofando sobre guerras, histórias, grandes e pequenos feitos da humanidade (da mesma forma que me ocorreu em Viena, lembra?). Porque Salzburgo também proporciona esse tipo de reflexão, além de belos cenários, música e comida de primeiríssima.
Augustiner Bräu
Uma passada no hotel para refrescar e decidi terminar meu segundo dia na boemia. Então rumei à Augustiner Bräu – uma gigantesca cervejaria onde reina a alegria. Ela existe desde 1621 e comporta nada menos que 1.400 pessoas numa área de 5 mil m² – praticamente um campo de futebol, a maior taverna de toda a Áustria.
Ao entrar, você pega uma caneca e paga por litro de cerveja (€ 6). Para acompanhar as geladas, mais de 30 estandes vendendo iguarias austríacas, de salsichas sortidas ao wiener schnitzel, de frios variados a sobremesas como o apfelstrudel ou as tortas de chocolate.
Enfim, uma esbórnia gastronômica ao som de música animada e gente para lá de Bagdá – seja os habitantes locais, se-ja os turistas. Tirem as crianças da sala!
No embalo de “A Noviça Rebelde”
Meu último dia em Salzburgo foi marcado por um tour matinal de quatro horas de duração, que mostra os passos de A Noviça Rebelde. Quem tem mais de 30 anos certamente se lembra desse filme, que volta e meia é exibido na televisão.
A Noviça Rebelde é simplesmente o ganhador do Oscar de Melhor Filme de 1966. Trata-se de um musical americano, mas totalmente filmado em Salzburgo, contando a história da família Von Trapp.
Neste momento, preciso fazer uma correção: lembra quando escrevi sobre os nomes mais citados pelos guias de turismo nesta cidade? Provavelmente a ex-noviça Maria Von Trapp fica à frente de quase todo mundo, exceto por Mozart.
Afinal, ela e o capitão Georg Von Trapp protagonizaram uma história de amor das mais emocionantes na década de 1940, o que motivou o roteiro para o filme hollywoodiano.
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Hoje em dia, o passeio de uma manhã (ou tarde) inteira da empresa Panorama Tours leva centenas de visitantes diariamente a todos os locais relevantes para os personagens da vida real, assim como para os atores que lá passaram meses filmando em 1965.
Os passos de Maria, Georg e seus filhos são revividos em palácios, praças, igrejas e até no gazebo onde foram filmadas cenas icônicas do premiado roteiro. No percurso, feito de ônibus, a trilha sonora do filme embala os turistas, no estilo karaokê.
Eu, que nunca fui lá muito fã, flagrei-me todo animadão, cantando Do-Re-Miem coro com a atriz Julie Andrews no vídeo (e olha que os efeitos da cervejaria da noite anterior já tinham passado!).
Cenários
Nas quatro horas de passeio, o ônibus sai da cidade propriamente dita e percorre os arredores, sobretudo os lagos que foram cenário do musical.
Às margens do Fuschlsee, por exemplo, fiquei pasmo ao ver palácios barrocos contrastando com um prédio futurista envidraçado, que logo descobri ser a sede da Red Bull – sim, a bebida energética foi inventada neste lugar.
Em seguida, fomos à belíssima Basilika St. Michael, também conhecida como Church Mondsee, onde Maria e o Barão se casam no filme. Há tempo para visitá-la por dentro e curtir a lojinha de suvenires, onde os fãs do filme encontram tudo que é lembrancinha possível: de ímãs de geladeira a água benta.
Turismão à moda antiga? Sim, e muito divertido. Não tenha vergonha de se soltar e curtir à vontade, é o meu conselho.
O final feliz, tal qual em Hollywood, me deixou ainda mais entusiasmado para a terceira parte da viagem. Isso porque em menos de duas horas, um trem moderníssimo da companhia estatal OBG me levaria a Innsbruck – outra joia da Áustria Imperial e da república dos dias atuais.
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