A partir de agora, apenas veículos 4×4 conseguem seguir viagem. Na direção, estava o motorista Osmar, que passou sua infância em um pequeno povoado às margens do Saara e conhece como poucos a região. Sem GPS ou qualquer outro meio de navegação, o carro vai se movendo pelas dunas em direção ao destino final: o acampamento Bivouacs Xaluca.
Coração do Marrocos
Depois de alguns quilômetros percorridos no deserto do Saara, a parada foi inevitável. Afinal, uma carreira de fósseis de animais marinhos que viveram ali há mais de 360 milhões de anos estava sob os nossos pés. Pensar que todo aquele lugar seco, quente e sem um sinal de água um dia já foi mar, certamente é incrível.
Em seguida, nossa última parada antes do almoço foi em um acampamento nômade. Uma tenda, relativamente grande, com tapetes sobre a areia e três outras estruturas mais rígidas, feitas de pedra, serviam de casa para uma família. Quem nos recebeu foi Fátima, uma senhora de aproximadamente 50 anos, que estava junto com os dois filhos menores. Eles acreditam que essa é a melhor forma de se viver: criando as crianças sem ostentação e com base nos princípios e costumes antigos do Saara.
A pouco menos de cinco metros, uma construção pequena servia de cozinha. Nela, havia um forno de pedra e algumas panelas, e, ao lado, ficava o cômodo para a família. Um pouco mais afastado, a cerca de cem metros, outra casinha de pedra abrigava meia dúzia de filhotes de ovelhas e um burro. Placas de energia solar garantiam a iluminação no interior da tenda. “Mas cadê o banheiro?”, perguntei ao guia. Ele respondeu, estendendo os braços: “O deserto é o maior banheiro do mundo”.
Alimentação e hospedagem
A parada para o almoço foi um churrasco no oásis Tisserdmine, à sombra das palmeiras, com uma estrutura sofisticada. O local foi montado pela rede Xaluca para os hóspedes que ficam em seus hotéis e fazem o roteiro pelo Saara, que inclui um esquenta para o passeio pelas famosas dunas de Erg Chebbi, as maiores do Marrocos. Elas estão perto da fronteira com a Argélia, na região de Tafilalet. É realmente impressionante ver os montes de areia com cerca de cinco quilômetros de largura e 22 de comprimento. Coroando esse passeio, deixamos o 4×4. Assim, seguimos no lombo de dromedários para esperar o entardecer e ver o sol se despedindo atrás de um mar de areia.
Forrado de estrelas, o céu do Saara foi a grande companhia durante a volta até o acampamento. Com uma infraestrutura invejável, as tendas de categoria mais alta têm, em média, 90 m², divididos em dois cômodos. Um deles tem cama king size e sofá, enquanto o outro guarda um pequeno closet; duas tendinhas menores servem para o banheiro e para o chuveiro (com água quente, claro!). Além disso, tapetes dentro e fora das barracas garantem um conforto a mais.
O jantar trouxe clássicos da culinária marroquina: tagine, cuscuz, carnes variadas, frutos secos, chá de hortelã e até cerveja e vinho. Apresentação de dança típica e mulheres fazendo tatuagem de hena embalaram a refeição.
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Além do deserto
No dia seguinte, eu me despedi do deserto e da experiência mais incrível da minha vida. Em seguida, percorri mais 260 quilômetros até a província de Tinghir para visitar a Garganta de Todra (Gorges du Todra). Contudo, pelo caminho, uma paradinha providencial para assistir a uma apresentação de dança dos Bambara. O grupo, formado por moradores da aldeia Khamliya, acredita que a música tem um importante papel social, além do poder de curar enfermidades. Mais à frente, enfim, estacionamos na pizzaria Des Dunes, que, além das pizzas, serve diversos pratos marroquinos. As lojinhas ao lado garantem ótimas compras de artesanato e do famoso óleo de argan. Com preços sensacionais, aliás.
Após as compras, hora de conhecer o célebre desfiladeiro do Marrocos. A Garganta de Todra é formada por paredões com mais de 300 metros de altura e um estreito corredor com apenas 30 metros. Os últimos 600 metros do cânion constituem o trecho mais espetacular. Ele fica mais estreito, mas não ultrapassando os dez metros de largura, ladeado por paredes de até 160 metros. É incrível o efeito que a luz produz na fenda, promovendo mudança da cor conforme a intensidade do sol. Tudo isso é refletido em um lago de águas cristalinas – para delírio dos turistas e dos aventureiros que praticam rapel e escalada nas escarpas.
À noite, as águas quentes da hidromassagem com vista incrível para as montanhas do Alto Atlas incrementaram minha estada no hotel Xaluca Dades. O local é um bom ponto de parada a caminho de Marrakesh, aliás.
De volta à estrada
Enfim, hora de seguir para Marrakesh e aproveitar os
últimos dois dias de viagem. Entretanto, antes, as paradas pelo caminho se tornam tão interessantes quanto o destino final. Um desses lugares, por exemplo, é Kelaat-M’Gouna, a cidade das rosas. Estima-se que aqui se colhem mais de três e meio toneladas de pétalas por ano. Estas se destinam à produção de cosméticos à base de água de rosas e de óleo de rosas, comumente usado na cozinha. Nos meses de maio e junho, acontece a colheita, precedida por um animado festival que dura três dias e celebra a seara.
Seguindo viagem, foi a vez de chegar a Ouarzazate, depois de 89 quilômetros de estrada. A chegada é uma boa surpresa, afinal, o visitante dá de cara com uma cidade moderna, desenvolvida pelos franceses para ser um centro administrativo. É também uma região de transição entre as montanhas e o Saara. No entanto, não é só isso: ela é conhecida como a Hollywood do Marrocos graças ao Atlas Studio, um conjunto cinematográfico aberto à visitação. Ali, foram rodados clássicos do cinema como Indiana Jones, Gladiador, A Múmia e Cleópatra. Além disso, ficam em exposição roupas, espadas, armaduras e itens da cenografia usados nos filmes.
Casbás
Mais 30 quilômetros e, finalmente, surgem as casbás de Taourirt e de Ait-Ben-Haddou. Em poucas linhas, tratam-se de conjuntos de casas de adobe rodeados por torres e muralhas, tipo de construção tradicional dos povos do sul do Marrocos. O adobe protege do frio que acomete as áreas desérticas à noite e também do calor que faz durante o dia. Taourirt é, sobretudo, um dos casbás mais belos do Marrocos, um antigo palácio-fortaleza de meados do século 18. Hoje, está parcialmente em ruínas, mas com a ajuda da Unesco, partes passaram por restauração e estão abertas para visitação.
Ademais, outro exemplo notável é Ait-Ben-Haddou, situado em uma colina às margens do Rio Ounila. Ele é uma síntese perfeita da arquitetura marroquina dos povos pré-saarianos no país. Podem ser vistos casas de adobe de diferentes tamanhos, pátio central, área de cultivo, cemitério, mesquita… Quase não há mais moradores e apenas 50 residências abrigam habitantes. Declarado patrimônio da humanidade, Ait-Ben-Haddou também serviu de cenário para o filme Gladiador e para a terceira temporada de Game of Thrones. Se tiver fôlego, não deixe de arriscar a subida até o topo – não é longa, mas o tempo seco e o calor viram adversários.
Parada final
Por fim, a última parada antes de Marrakesh foi em uma cooperativa de mulheres que vivem da extração e do comércio de produtos à base de argan. O óleo, extraído da semente da árvore Argania spinosa, é conhecido também como o “ouro líquido do Marrocos”. É tido como um elixir no tratamento dos cabelos e rejuvenescimento da pele. O que talvez muita gente não saiba é que, para obter um litro de óleo, são necessários aproximadamente cem quilos de semente. Dessa forma, explica-se seu custo alto. Aliás, sua extração também é bem surpreendente: cabras sobem nas árvores e mastigam o fruto por alguns segundos, cuspindo apenas as sementes, que são recolhidas pelos produtores.
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