É difícil imaginar que uma cidade hoje conhecida por seu mercado de Natal tenha sido, no passado, palco para os comícios megalomaníacos do partido nazista. Mas Nuremberg não tenta nem quer esconder esse capítulo: tanto quanto seu castelo imperial, também a história associada a Hitler virou atração turística – e, de certa forma, ela conquistou sua redenção, já que foi escolhida, em 1945, para sediar o tribunal que julgou os crimes de guerra.
Muito antes disso, porém, uma das maiores cidades do estado da Baviera já exercia influência como capital informal do Império Sacro Romano-Germânico: cada novo imperador eleito deveria realizar sua primeira assembleia em Nuremberg. A localização, bem no centro da Alemanha, também ajudou a torná-la parada essencial nas rotas de comércio. Hoje com 500 mil habitantes, ela atrai visitantes não só por conta de sua relação longeva com a política, mas também por aspectos muito lúdicos, como o já citado mercado de Natal, a produção de brinquedos e a inconfundível comida regional.
O coração histórico de Nuremberg é a área de Altstadt, cercada por quatro quilômetros de muralhas medievais. É onde fica o Kaiserburg, um conjunto de castelos construído a partir do século 12 e diretamente ligado à origem da cidade. Entre os mais importantes do Império Sacro, o complexo fortificado hoje sedia uma exposição sobre como era seu funcionamento, o governo daquela época e o papel de Nuremberg nesse contexto. Interessante visitar a ala residencial (Palas) e a capela “dupla”, que tem dois andares idênticos e interligados por uma abertura no centro: o de cima era para a nobreza e o de baixo, para o povo – o governante assistia à missa a partir de um mezanino. No Salão dos Cavaleiros, não perca a apresentação de figuras mecânicas que acontece a cada 20 minutos, mostrando como era a procissão de chegada do imperador a Nuremberg. Outros destaques são a Torre Sinwell, que tem um bom posto de observação a 113 degraus de altura, e o curioso poço com quase 50 metros de profundidade.
Foto tower de canto
A colina sobre a qual o castelo foi erguido guarda uma rede subterrânea de túneis, escavados na rocha para armazenar vinhos e cervejas. Forma bacana de passear por eles é fazendo o tour guiado da cervejaria Altstadthof, tocada por pai e filho, que produzem uísque também. Além de explicar a produção, as visitas podem ser combinadas com degustação de rótulos da casa e comidinhas típicas – há um restaurante de especialidades e receitas à base da bebida.
É Natal, é Natal…
Todo fim de ano, uma procissão de 1.300 crianças sobe a ladeira até o castelo, arregando luminárias. Elas vêm desde a Hauptmarkt, praça principal do centro histórico, onde acontece, ao longo de dezembro, o famoso mercado natalino de Nuremberg – ou Christkindlesmarkt. Trata-se de uma tradição registrada desde, pelo menos, 1628, o que faz dela a “cidade número 1 do Natal na Alemanha”. Cerca de 200 barracas de toldo vermelho e branco ocupam a praça e seus arredores, vendendo artesanato, enfeites, chapéus, brinquedos, lenços, caixas de música, sabonetes… Sem falar nas receitas típicas da época, como o biscoito de especiarias (lebkuchen), o vinho quente e as salsichas grelhadas.
De quebra, concertos e apresentações tomam conta das ruas, das igrejas e dos museus da cidade, que ganha passeios temáticos. Tem ainda carrossel, roda-gigante, oficina de biscoitos e velas para crianças… Mas esqueça Papai Noel: a figura mais famosa do Natal de Nuremberg é mesmo a Christkind, uma menina de túnica dourada, que usa uma vistosa coroa sobre os cachos loiros. Escolhida a cada dois anos entre as adolescentes locais, ela inaugura as festividades com um discurso proclamado do alto da igreja Frauenkirche (por isso, um dos requisitos é não sofrer de vertigem!).
Em qualquer época do ano, essa mesma igreja, construída em estilo gótico no século 14, chama a atenção dos visitantes por conta de seu relógio mecânico, que promove um “showzinho” todo dia às 12h, protagonizado pelo imperador e seus príncipes. De frente para ela fica a Schöner Brunnen, fonte de 19 metros de altura que reproduz uma original do século 14, também toda enfeitada com motivos relacionados ao império. Dizem que girar três vezes o anel dourado no portão de ferro que a envolve é garantia de desejos realizados.
Ainda na onda lúdica, Nuremberg é um famoso polo produtor de brinquedos desde a Idade Média, sediando hoje a mais importante feira internacional do segmento. A esse tema, dedica-se um museu inteirinho no centro histórico, o Spielzeugmuseum. São vários andares recheados dos mais diferentes tipos, desde os de madeira até casas de boneca perfeitinhas, além de carros, ferroramas, motores a vapor, Lego, Barbie, Playmobil… Por falar neste último, a marca nascida na região tem na cidade vizinha de Zirndorf o seu FunPark, com bonecos em grande escala, navio pirata, dinossauros, castelo e torneio medieval, banco de areia, lago com pedalinhos, circuito de kart, tirolesas, camas elásticas… Para quem quiser pernoitar, ainda tem hotel temático, no melhor estilo do Legoland da Flórida. Outra marca local muito popular é a Faber-Castell, na vizinha Stein. Seu castelo art nouveau faz uma ponte entre o desenvolvimento industrial da Alemanha e a vida familiar na virada do século 19 para o 20. Um tour de duas horas pela fábrica e um museu mostram a produção dos lápis e sua história.
De volta ao centro velho de Nuremberg, o Museu Nacional Alemão é o mais importante no mundo dedicado à cultura e à arte do país. Cobre desde a pré-história até a atualidade, incluindo itens de farmácia e medicina, vestuário, pinturas, esculturas, tapeçaria, brinquedos, instrumentos científicos e musicais, armas e artes decorativas, com destaque para os períodos da Idade Média, do Barroco e do Renascimento. Deste último movimento, aliás, há obras de Albrecht Dürer, entre os mais destacados pintores alemães. Para saber mais sobre a vida dele, vale visitar o museu instalado na casa onde ele morou de 1509 a 1528, que reproduz cômodos da época e expõe seus trabalhos.
E se Dürer é a contribuição de Nuremberg para a arte mundial, precisamos falar então de suas criações gastronômicas. Não há como visitá-la sem combinar uma boa caneca da típica cerveja avermelhada com a pequena salsicha bratwurst, acompanhada de salada de batata, chucrute ou raiz-forte. Outra opção é pedir o drei im weckla: três unidades dentro de um pão. Para provar, o histórico Zum Gulden Stern é considerado o restaurante mais antigo da cidade, com registros desde 1419. Entre os pratos típicos da região, tem ainda o schäufele, ombro de porco assado com bolinho de batata, conforme servido no Hexenhäusle, que oferece um gostoso biergarten com vista para o castelo.
O passado que não se esquece
Quando Hitler escolheu Nuremberg como cidade-sede para os seus comícios, mandou construir um complexo monumental no parque Dutzendteich, usando o trabalho forçado de prisioneiros de guerra. Nessa área, a dez quilômetros do centro histórico, discursos e desfiles nazistas aconteciam anualmente, durante uma semana em setembro, entre 1933 e 1945. O projeto, porém, nunca foi totalmente concluído e parte dele ruiu durante a Segunda Guerra.
O que sobrou hoje é chamado de Rally Grounds e pode ser visitado, rendendo uma ótima oportunidade de entender mais sobre esse período sombrio da nossa história. A ideia original era que o Kongresshalle, inspirado na arquitetura do Coliseu romano, abrigasse 50 mil espectadores e tivesse 80 metros de altura – mas ficou com “apenas” a metade disso. Sua ala norte, hoje, guarda o Centro de Documentação, cuja mostra Fascinação e Terror analisa o contexto, a causa e as consequências dos crimes cometidos durante a ditadura nazista, por meio de fotos, painéis e vídeos (é uma boa ideia pegar o audioguia, pois as legendas explicativas são apenas em alemão). O memorial que encerra a exibição é bem comovente: um trecho de ferrovia coberto por milhares de placas gravadas com o nome de judeus vítimas do Holocausto.
No parque ao redor, totens sinalizam as funções que cada estrutura tinha na época de Hitler. A Grosse Strasse, por exemplo, seria o eixo principal de todo o complexo, usada para desfiles das forças militares, com 40 metros de largura e dois quilômetros de extensão. O Zeppelinfeld, uma tribuna com 360 metros de comprimento inspirada no Altar de Pérgamo, ostentava uma grande suástica, destruída pelos americanos no fim da guerra – e agora sedia um festival de rock todos os anos, em junho. Já o lago que se vê hoje foi resultado de uma escavação malsucedida para a construção do que deveria ser o maior estádio do mundo, com 400 mil lugares.
Como forma de “compensar” as atrocidades propagadas a partir dali, Nuremberg sediou os julgamentos do pós-guerra, mesmo tendo sido severamente bombardeada em 1945. Um dos únicos edifícios intactos foi o Palácio da Justiça, apropriadamente escolhido para condenar o alto escalão nazista por crimes contra a paz e a humanidade. É possível visitar a Sala 600, onde aconteceram as sessões (se ela estiver disponível, já que segue em funcionamento ainda hoje), e também o Memorial dos Julgamentos de Nuremberg, que conta sobre todo o processo, com filmes e gravações. A cidade, afinal, reflete a Alemanha como um todo: não oculta, mas sim aprende com o seu memorial da mostra passado e, a partir daí, reinventa-se.
Onde se hospedar em Nuremberg, Alemanha?
NUREMBERG
Romantik Hotel Gasthaus Rottner
Nos subúrbios da cidade, este quatro estrelas tem 37 quartos de charme. Conta com um restaurante de especialidades.
Maritim
Perto do centro histórico, tem 316 quartos confortáveis – alguns contam com minibar grátis.
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