No coração da Califórnia, dois mundos se encontram em simbiose admirável: o charme da cultura europeia do vinho e a imbatível eficiência e organização turística americana. O ponto de partida, por si só, já é mágico. São Francisco, uma das cidades mais pluralistas das Américas, é a base para acessar os santuários vínicos do estado. Então, em pouco mais de uma hora de carro, chega-se à mítica Napa Valley, o hectare de uvas mais caro do Novo Mundo. O condado ganha reforço com a companhia de Sonoma e Mendocino.
A paisagem é estonteante. No verão, o verde toma conta dos cenários com as parreiras repletas de folhas e carregadas principalmente de uvas Cabernet Sauvignon e Chardonnay. No inverno, o tom muda e, embora os vinhedos fiquem desnudos, o amarelo emana charme, proveniente das flores de mostarda que circundam as videiras. Independente das cores, ao fundo desse carpete de parreiras geralmente há uma impressionante propriedade, em um cenário que chega a lembrar os châteaux da França.
PREPARA!
Quanto tempo ficar: três dias em cada região é um bom tempo. Montar base em Napa é uma opção prática para explorar o Valley, assim como ficar em Sonoma é conveniente para desvendar Sonoma County. Já na região de Mendocino, a pequena Philo é interessante para quem tem prioridade em visitar vinícolas.
Como se locomover: alugar carro em São Francisco para explorar as regiões vinícolas torna a viagem bastante fácil. Napa está a 112 quilômetros da cidade, Sonoma, a 90, e Mendocino, a 220. Mas atenção com o consumo de álcool! Afinal, o limite para beber e dirigir na Califórnia é de 0.08 BAC (Blood Alcohol Content); ou seja, para uma pessoa de cerca de 75 kg, é possível tomar apenas uma taça de vinho a cada duas horas. Também dá para aproveitar bem mesclando transporte público, passeios como os de tuk-tuk, tours de bicicleta nos vinhedos e aplicativos como Uber e Lyft.
Quando ir: no verão, entre os meses de julho e agosto, as regiões têm enorme ocupação, com hotéis e vinícolas lotadas. É possível participar da vindima em algumas propriedades entre agosto e outubro, entretanto, no final de setembro e começo de outubro, o clima começa a ficar mais fresco e não é tão lotado. Aliás, há diversos eventos como a competição de pisa de uva ofertada pela Castello di Amorosa. Já no inverno tudo está mais tranquilo, quando o clima frio (chega a gear de madrugada) e o ambiente aconchegante clamam por vinhos tintos.
Napa Valley
Não por acaso, em primeiro lugar, está a região conhecida como The Legendary Napa Valley. De fato, a estrutura impressiona. É um dos maiores cases de sucesso do mundo do vinho, estopim de uma reviravolta estrondosa que abalou medalhões franceses. A história de Napa começa em 1838, com as primeiras vinhas plantadas por George Yount, posteriormente homenageado com seu nome batizando a pequena cidade de Yountville.
Mas foi apenas em 1976 que Napa passaria a se destacar. Isso porque, no evento que ficou conhecido como “O Julgamento de Paris”, pela primeira vez na história um Chardonnay (Chateau Montelena) e um Cabernet Sauvignon (Stag’s Leap Wine Cellars) produzidos na região californiana venceriam, às cegas, centenários produtores franceses, quebrando um paradigma oligárquico estrondoso.
Uma vez nos holofotes globais, Napa Valley se desenvolveu intensamente e em poucas décadas chegou ao apogeu, com todas as opções de entretenimento que o interior da Califórnia poderia oferecer. Dessa forma, transformou-se em um cantinho turístico completo que atrai a expressiva marca de mais de 3,5 milhões de visitantes por ano.
A cidade de Napa em si, que dá nome à região, é muito bem organizada, plana, com ares tranquilos no inverno e efervescentes no verão. E, além disso, oferece incontáveis festivais musicais, culturais e gastronômicos. Ela pode ser a base para conhecer todo o pequeno vale que, embora seja uma das regiões mais cobiçadas do mundo do vinho, é uma das menores, com 48 quilômetros de largura por cinco de comprimento.
Vinhedos
As cerejas do bolo estão em uma avenida chamada St. Helena Highway. É praticamente uma artéria vínica milionária que liga Napa até a cidade de Calistoga, passando por Yountville, Oakville, Rutherford e Santa Helena. Nesse trajeto de 20 minutos encontram-se todos os míticos produtores, como Paul Hobbs, Robert Mondavi, Inglenook (do cineasta Francis Ford Coppola) e Opus One. A maioria deles, aliás, com propriedades impressionantes. Visitar duas ou três delas é missão compulsória, mas prepare o bolso. É preciso marcar com antecedência e uma degustação de alguns mililitros de três vinhos na Opus One, por exemplo, pode facilmente atingir R$ 300. Parece muito, mas serão goles para jamais esquecer.
No que tange à arquitetura, Napa Valley também tem para todos os gostos, desde um castelo feito aos moldes de um italiano do século 13, como na produtora Castello di Amorosa, passando pelo Chateau Monte Helena, com um edifício histórico de 1888 feito todo empedras ao estilo inglês, até a vanguardista Ashes & Diamonds, de perfil descolado, a cara da geração geek. Há também a experiência com perfil country. Do outro lado de Napa, a Shady Brook reserva em seu haras a oportunidade de aliar cavalgada entre os vinhedos com degustação de quatro vinhos. Tudo isso companhado de queijos locais, charcutaria e outras iguarias para beliscar. É servido em um relaxante terraço com vista para um carpete verde de parreiras.
Tuk-tuk
Mesmo com estruturas suntuosas, 95% das mais de 400 vinícolas da região são familiares. Assim, abre-se um leque de oportunidades de visitar aquelas mais peculiares e não tão badaladas. A experiência torna-se ainda mais interessante se for feita de um modo único, a bordo de um ecológico tuk-tuk elétrico. “Queríamos ofertar um passeio customizado, inusitado e que tivesse uma marca de sustentabilidade”, conta Dieter Piestch, chef alemão que criou o conceito da empresa Laces and Limos junto com sua esposa, Michelle Helms. Portanto, basta passar um briefing que eles são capazes de atender a seus anseios, com degustações harmonizadas e tour charmosíssimo entre vinhedos pouco visitados (a partir de US$ 150).
Do tuk-tuk, avante para o céu. Sobrevoar vinhedos consagrados ao nascer do dia a bordo de um balão é uma das atrações turísticas mais emblemáticas de Napa. A decolagem parte quase de dentro dos vinhedos da Chandon, terra de ótimos espumantes. Pena não poder degustá-los durante o voo, mas a conexão que se cria com o terroir, o entendimento da região e a energia da amplitude são realmente especiais (balloonrides.com, US$ 299).
Vale dizer que Napa Valley, definitivamente, não é dos destinos mais acessíveis, embora tenha acomodações como bed and breakfast, além de restaurante mais simples capazes de se ajustar a budgets modestos. Mas sua vocação é mesmo dar prazer para aqueles que não têm tanta preocupação com orçamentos. Afinal, quando o assunto é hospedagens e experiências gourmet, a Legendária pulsa em tentações sublimes. Alguns dos mais charmosos resorts e hotéis-butiques do interior da Califórnia estão espalhados entre as vinhas, como o Auberge du Soleil, o Carneros Resort and Spa e o Meadowood, por exemplo.
Yountville
Todo oásis com hospedagens e vinhos suntuosos necessita ofertar experiências gourmet à altura. Nesse quesito, a minúscula cidade de Yountville reina absoluta. E não apenas regionalmente. Per capita, com apenas 3 mil habitantes, ela ostenta o título de ser o celeiro da boa mesa mais premiado dos Estados Unidos. E há um culpado por esse título: o chef Thomas Keller, proprietário do The French Laundry. Isso porque, além de ter três estrelas Michelin, o estabelecimento foi aclamado por dois anos como o melhor do planeta, na tradicional seleção The World 50 Best Restaurants.
Seu sucesso o motivou a abrir mais três pequenos templos gastronômicos: o Bouchon Bistro, o Bouchon Bakery e o Ad Hoc + Addendum. Charmosos cafés, chocolaterias e wine bars completam um portfólio verdadeiramente singular. Em toda Napa Valley, são 150 restaurantes, sendo a região vinícola com mais estrelados do mundo (per capita). Afinal de contas, uma lenda não se faz à toa.
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Sonoma County
A etiqueta jornalística não recomenda tomar partido, mas tenho que confessar que fui enfeitiçado pela segunda mais icônica região turística produtora de vinhos dos Estados Unidos. Ela traz consigo um equilíbrio admirável entre a vida interiorana pacata e a estrutura de cidades prontas para o turismo, como um destino de charme.
Estamos na região de Sonoma County, terra da delicada uva Pinot Noir, onde os rótulos mais celebrados surgem de videiras premiadas em 425 produtores. A região é belíssima, com 30 pequenas cidades que incluem nomes como Santa Rosa, Petaluma e a costeira Bodega Bay. A cidade de Sonoma propriamente dita é o coração desse terroir um pouco mais frio que Napa, com características distintas de amplitude térmica, solo e altitude.
Plaza Sonoma
Na cidade, toda a experiência, digamos, “urbana”, se dá ao redor da Plaza Sonoma, com edifícios históricos que datam de meados do século 17. São diversas galerias, restaurantes, queijarias e algumas pequenas bodegas. Em uma tranquila caminhada de uma hora, tem-se um panorama completo dos destaques do centro. Estando por lá, tente marcar uma reserva para comer no descolado The Girl & The Fig. Em formato de antiquário, a casa oferece toques franceses, com ótimas opções sazonais, frescas e orgânicas.
Além disso, a cerca de dez minutos de carro da Plaza, há uma visita imperdível para aqueles que não dispensam imergir na história da região. Se hoje os vinhos da Califórnia são cultuados no mundo, é porque a vinícola Buena Vista, lá em 1857, resolveu plantar vinhas, começando o que seriam os vinhedos do norte do estado. O local exala tradição e, além de uma área rústica para degustação, ainda oferece um tour pelo museu, que retrata todo o desenvolvimento do vale (degustação a partir de US$ 25).
Petaluma
Para aqueles que não resistem a suvenires pitorescos, além de belas garrafas de produtores locais, é preciso conferir o California Wine Museum, na cidade de Petaluma. O curador e proprietário colocou toda a sua coleção de 4.500 peças à venda. Há, por exemplo, 900 abridores vintage que somente os deuses saberiam dizer quais rolhas antigas eles já perfuraram. O ingresso é de graça, porque está absolutamente tudo à venda, então a ideia é que o pessoal vá mesmo para comprar as relíquias.
Kunde e Chateau St. Jean
Duas vinícolas importantes próximas à cidade de Sonoma são ótimos locais para desfrutar de um final de tarde, seguido de degustações. A histórica propriedade da Kunde é uma das pioneiras, já na quinta geração da família, e com 900 hectares de vinhas. Algumas parcelas do vinhedo são centenárias. É possível provar seis vinhos por US$ 15 em um espaço bem agradável diante de um pequeno morro, onde a vinícola construiu uma cave subterrânea. A cada hora, há um tour que leva para conhecê-la. Entre as escolhas dos vinhos, prove o Reserve Century Vines, elaborado com a uva Zinfandel. O supervinho rende boa oportunidade para conhecer a cepa mais simbólica nos Estados Unidos.
Outra maravilha é o Chateau St. Jean, cuja mansão completará um século no ano que vem. É um passeio de charme, que inclui um belo jardim em estilo mediterrâneo, cenário para algumas das degustações. Prove vinhos e finger foods por US$ 75 em uma visita de 75 minutos.
Vinhos e Cannabis
Por ser uma região ampla, há tours para todos os gostos em Sonoma County. Se Napa tem tuk-tuk, por aqui há passeios em vinícolas a bordo do Wine Trolley. A réplica de bondinho de 1890 leva animados enófilos a degustações e piqueniques divertidos (US$ 115). Há, ainda, passeios de bicicleta em vinhedos e até visitas a cervejarias “intrusas” e a uma produtora da indústria de Cannabis na cidade de Santa Rosa. Para os fãs do tema, é uma oportunidade especial de conhecer, com explicações didáticas, toda a produção e comercialização da erva no estado, onde ela é legalizada para fins recreativos.
Mendocino County
O nome lembra a famosa cidade argentina Mendoza, mas Mendocino County é, na verdade, uma californiana raiz e ainda pouco badalada internacionalmente. Já mais ao norte de São Francisco, acerca de duas horas de carro, chega-se a uma área bela e pacata que exala autenticidade, mas com preços bem menos inflacionados que as vizinhas Napa e Sonoma.
Também é terra da Pinot Noir, que responde por metade da produção das 90 vinícolas da região. A segunda uva mais plantada é a Chardonnay, mas há vocação também para interessantes Riesling, consagradas em terroir alemão. Por aqui, não só os rótulos são mais acessíveis como as degustações nas pequenas bodegas custam menos, cerca de R$ 40.
Para aqueles enófilos que não se contentam com o trivial, em busca de vinhos que jamais encontrarão em seu país, a região de Anderson Valley é ponto de desbravação obrigatório. Rótulos soberbos como os produzidos por Van Williamson, da Witching Stick Wines, são apresentados pelo seu criador em um casebre ao lado de seus simpáticos cachorros. “Trabalhei anos em Napa, mas o terroir de Mendocino permite ousar mais”, comenta o talentoso enólogo.
Philo
Além dessa proximidade especial com produtores, Philo, a pequena vila que concentra boa parte das vinícolas, ainda tem uma filosofia bem alternativa e natureba. É na região que está a maior produção de Cannabis da Califórnia e, além disso, onde boa parte dos vinhos segue o cultivo orgânico ou biodinâmico, características cada vez mais valorizadas. Um exemplo contundente dessa linha é a Pennyroyal Farm, na única avenida de Philo. O espaço é um templo de queijos de cabra orgânicos que são impecavelmente harmonizados com os vinhos elaborados pela proprietária do empório. Certamente, programar um almoço aqui é compulsório.
Costa de Mendocino e Glass Beach
Por fim, após essa imersão interiorana pelos micro terroir de vinhos premium californianos, se bater uma saudade do mar e houver ao menos mais um dia, considere incluir a cênica costa de Mendocino no roteiro. Então, a Highway 1 levará a baías dramáticas como as de Point Arena, a passeios em caiaques que dão acesso a cavernas marinhas e à imperdível Glass Beach – onde, em vez de areia, pedras coloridas dão o tom. À beira-mar, encerre a imersão enoturística com um brinde em celebração ao “sonho californiano”, que cabe perfeitamente em uma taça.
Hospedar
Napa Valley
Auberge du Soleil: a cerca de 20 minutos do centro de Napa, é um resort com 50 acomodações, famoso sobretudo pelo The Restaurant, com carta de vinhos incluindo mais de 15 mil garrafas. Rutherford Hill Road, 180. Para conferir fotos e diárias, clique aqui!
Meadowood: a imensa propriedade fica em Santa Helena e, entre os destaques, estão o premiado spa e o The Restaurant, que ostenta três estrelas Michelin. Meadowood Lane, 900. Para conferir fotos e diárias, clique aqui!
Archer Hotel: moderno, está encravado no coração de Napa e é ótima opção para quem busca algo mais urbano. Além disso, conta com piscina no rooftop e um ótimo restaurante de carnes, o Charlie Palmer Steak. 1st Street, 1.230. Para conferir fotos e diárias, clique aqui!
Sonoma
Fairmont Sonoma Mission Inn & Spa: membro da Associação dos Hotéis Históricos dos Estados Unidos, o refúgio da rede canadense cativa sem ostentar. Afinal, seu restaurante de carnes tem carta com 540 vinhos, sendo quase metade de produtores locais. Ademais, o spa também é destaque. Boyes Blvd, 100. Para conferir fotos e diárias, clique aqui!
Autocamp: certamente uma experiência única à beira do Russian River: hospedar-se em trailers luxuosos, mesclando serviço de hotel-butique com clima de camping. Old Cazadero Road, 14.120. Para conferir fotos e diárias, clique aqui!
Mendocino
The Madrones Hotel: Na minúscula Philo, é uma antiga loja que consertava rádios e televisores. São apenas seis quartos em torno de uma minivila que conta com um restaurante rústico e uma pequena vinícola. Highway 128, 9.000. Para conferir fotos e diárias, clique aqui!
Comer
Napa Valley
Oxbow Public Market: mercadinho gourmet em Napa, bastante eclético e com preço em conta, reúne vários estandes de saladas, sanduíches, comida japonesa, pizza e mais. 610 & 644 First Street, oxbowpublicmarket.com.
The French Laundry: na pequena Yountville, tem três estrelas Michelin e é indicado para quem está disposto a desembolsar mais de US$ 300 por duas opções de menu degustação. Washington St, 6.640, thomaskeller.com.
Sonoma
The Girl & The Fig: fazendo “comida country com paixão francesa”, preza por alimentos orgânicos e pela cozinha farm to table. Entre os pratos, tem carnes, queijos, saladas e sanduíches. W Spain St, 110, thegirlandthefig.com.
Mendocino
Bewildered Pig: ótima opção para carnes, como o raviolini de porco assado servido com batatas e berinjela, por exemplo. CA-128, 1.810, bewilderedpig.com.
Pennyroyal Farm: queijos de cabra são a especialidade da casa, mas também há pratos para provar. Além disso, se destaca também pelos vinhos. CA-128, 14.930, pennyroyalfarm.com.
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