Pouco conhecida pelos brasileiros, a segunda maior das Ilhas Canárias combina praias extensas de água azul-turquesa, vida marinha abundante, paisagens áridas e trilhas vulcânicas de acesso fácil. Cenários que, aliados a sol firme e ventos contantes, merecem entrar no roteiro de quem busca aventura com vista para o mar

Da janela do carro, a paisagem parece não ter fim. Uma imensidão árida e monocromática cruza Fuerteventura de norte a sul. A natureza na segunda maior das Ilhas Canárias vale-se de poucas chuvas e vegetação rala, mas é incrivelmente impressionante no essencial: planícies em tons ocres intensos, alinhamentos de cones vulcânicos, desertos, oásis de palmeirais, dunas brancas empurradas pelos alísios e, emoldurando tudo, um mar turquesa de transparência caribenha.
Fuerteventura nasceu de um vulcanismo impetuoso há cerca de 20 milhões de anos, que ergueu planaltos, talhou barrancos, desenhou falésias e salpicou o norte com dezenas de morros íngremes, não muito altos, formados por fragmentos de lava lançados ao ar.
É uma ilha europeia, mas tem lá seu tempero africano. A apenas 100 quilômetros da costa do Marrocos, Fuerteventura compartilha com o Saara o clima seco, o sol constante e a paleta de cores. Similaridades que aproximam os seus aspectos naturais e climáticos mais do vizinho africano do que da própria Espanha, à qual pertence desde o século 15, após os espanhóis levarem a melhor na disputa territorial com Portugal, selada pelo Tratado de Alcáçovas, em 1479.
Com cenários assim, o clichê de “destino apenas de sol e mar” não resiste aos primeiros quilômetros. A ilha concentra exatamente o que esportes ao ar livre pedem: vento vigoroso, praias amplas com trechos rasos e panoramas dramáticos para trilhas a perder de vista.

Windsurfe de primeira

De ponta a ponta, Fuerteventura soma mais de 150 praias distribuídas por 340 quilômetros de costa. Corralejo, El Cotillo, Jandía, Caleta de Fuste, Cofete e Costa Calma são alguns dos pedacinhos de litoral com condições na medida para vela, surfe, snorkeling, mergulho, stand-up paddle, esqui aquático, kitesurfe, wingfoil e, acima de tudo, windsurfe, modalidade que virou símbolo da ilha.
Fuerteventura faz parte do circuito internacional da Copa do Mundo de Windsurfe e, todos os anos, em julho, a praia de Sotavento, na Costa Calma, recebe o Fuerteventura World Cup – que, em 2025, na 37a edição, teve a estreia de provas de wingfoil.
As competições se apoiam na estrutura do René Egli Center, um dos maiores centros de esportes aquáticos do mundo. Tão grande que já recebeu mais de 25 mil praticantes em uma única temporada graças aos serviços de aluguel de pranchas e velas, cursos esportivos, bar de praia, área de relaxamento e lojas – conveniência reforçada pela proximidade aos hotéis INNSiDE by Meliá e Paradisus.

Em Sotavento, além da extensa faixa de areia clara que contorna até as montanhas ao redor, o mar azul-turquesa ganha um recurso natural que faz diferença: os ventos alísios empurram a água para trás de um cordão de areia e formam uma lagoa rasa. O “piscinão”, que aparece e desaparece conforme a maré, cria um ambiente seguro e previsível para iniciantes treinarem prancha e vela.
No norte da ilha, a Flag Beach, na entrada do Parque Natural das Dunas de Corralejo, é um dos lugares mais movimentados para kitesurfe e windsurfe. Tem vento constante, acesso direto da estrada e boa oferta de escolas e aluguel de equipamento. Protegida dos recifes, permite manobra seguras em águas rasas – uma vantagem nos dias de ondulação forte.
Em contrapartida, as praias de El Cotillo, Majanicho e El Burro entregam sessões intensas e pedem preparo técnico. Ondas altas e alísios fortes exigem controle total da prancha e experiência dos praticantes.
Os mesmos ventos que desafiam os esportistas também ganham celebração em novembro, durante o Festival Internacional de Cometas. Ao longo de três dias, os céus das Grandes Playas de Corralejo e da Playa de la Concha, em El Cotillo, colorem-se com pipas gigantes e criativas, em um dos eventos mais fotogênicos da ilha.

Para pegar onda
A combinação entre vento e Atlântico garante ondas o ano inteiro em Fuerteventura. Para quem já tem quilometragem sobre a prancha, a janela mais consistente vai de outubro a abril, com a entrada de grandes swells nas costas norte e oeste. Entre maio e setembro, o mar perde força e o vento aumenta, e asseguram condições ideais para iniciantes e intermediários, especialmente nas áreas abrigadas do Parque Natural das Dunas de Corralejo.
No norte da ilha, as praias de Majanicho e El Hierro são famosas pelas ondas rápidas e ocas, entre as melhores da Europa para manobras radicais – e, por isso, indicadas somente para surfistas experientes. A poucos quilômetros, a Piedra Playa, em El Cotillo, entrega variedade, com dias mansos para treinos de base e tubos quando as ondas escalam. Mais ao sul, a praia de Viejo Reyes, em La Pared, funciona como sala de aula natural com seu fundo de areia e espaço de sobra para errar e tentar de novo.
A logística também favorece a prática do esporte. As distâncias curtas entre os points de surfe permitem começar o dia em uma praia e terminar em outra, ajustando a rota conforme o vento e a maré.
Para decidir onde entrar, o Mapa do Surfista, disponível em postos de turismo, classifica, por nível técnico, as melhores praias para pegar ondas e lista escolas e acampamentos de surfe, lojas especializadas e até cafés onde a comunidade de surfistas se encontra para trocar ideia.

No fundo do mar
A mesma intensidade vulcânica que definiu a superfície de Fuerteventura também esculpiu fendas, túneis e cavernas submarinas em seu relevo submerso. A variedade de formações geológicas virou habitat de cardumes exóticos e espécies emblemáticas do Atlântico. Baleias, golfinhos, arraias-manta, moreias, polvos, peixes-papagaio, barracudas, sépias, tartarugas e até o discreto tubarões-anjo (espécie rara em outros mares) fazem parte da lista de encontros possíveis.
Pela diversidade de vida marinha, associada a mais de 500 espécies endêmicas, entre fauna e flora, e pelo compromisso com a preservação de seu patrimônio natural, Fuerteventura recebeu o título de Reserva de Biosfera pela Unesco, em 2009.
Para quem visita a ilha, isso se traduz em condições propícias para mergulho e snorkeling: além da abundância de espécies, a temperatura da água fica entre 18 ºC e 25 ºC graus, dependendo da estação, e a visibilidade entre 25 a 50 metros na maioria dos pontos.
As piscinas naturais das praias El Puertito e La Concha, na Isla de Lobos, são pontos clássicos para avistar peixes coloridos usando apenas snorkel. Como a área é protegida, é necessário agendar a visita com antecedência (de 1 a 3 dias) no site do Cabildo de Fuerteventura, com hora marcada para controle de acesso.

No litoral nordeste, El Jablito oferece uma enseada rasa e protegida – uma boa pedida para quem está começando no mergulho com cilindro, já que a profundidade não passa dos 15 metros.
Para snorkeling em águas calmas, Caleta de Fuste, Costa Calma e as piscinas naturais de El Cotillo são alternativas populares e bem distribuídas pela ilha.
Ao sul, Veril de Jandía tem uma cratera submersa habitada por budiões, arraias, moreias e, por vezes, tubarões-anjo. Ali, os mergulhos variam entre 15 a 50 metros de profundidade e devem ser acompanhados de orientação profissional.

Trilhas históricas

A topografia suave, pontuada por vulcões extintos, montanhas baixas e dunas, faz da paisagem de Fuerteventura um convite permanente para se embrenhar em caminhos pela natureza. A ilha tem 255 quilômetros de trilhas oficiais que cruzam áreas vulcânicas, parques naturais, aldeias históricas, zonas costeiras e sítios arqueológicos. A maioria dispensa preparo técnico e equipamentos, e pode ser percorrida até por crianças.
Um dos roteiros mais concorridos leva ao topo do Calderón Hondo, em Lajares, um dos 25 cones vulcânicos de Fuerteventura. A caminhada de cerca de 45 minutos termina em um mirante com vista ampla da cratera, a 248 metros de altitude. Dali também se veem a planície árida, o alinhamento de cones vulcânicos até o mar e, em dias claros, a silhueta da vizinha Lanzarote, outra das Ilhas Canárias.
A trilha do Calderón Hondo integra um dos nove trechos sinalizados pelo programa espanhol Caminos Naturales, criado para promover rotas históricas e rurais para caminhadas, cavalgadas e ciclismo. O traçado atravessa Fuerteventura de norte a sul e tem início em um percurso leve na Isla de Lobos, onde é possível incluir a subida à Caldera de la Montaña, a 127 metros de altitude.

Nem o Calderón Hondo nem a Caldera de la Montaña, no entanto, concentram tanta história quanto a Montaña de Tindaya, uma das formações vulcânicas mais antigas de Fuerteventura. Considerada sagrada pelos majos, os primeiros habitantes da ilha, Tindaya abriga mais de 300 gravuras rupestres entalhadas em rochas. Pelo valor arqueológico e espiritual, o acesso ao cume, a 401 metros de altura, é restrito, mas trilhas ao redor da base permitem observar de pertinho sua coloração clara incomum, resultado da presença de trachita, uma rocha vulcânica rara nas Ilhas Canárias.
Para alcançar altitudes mais desafiadoras, a trilha até o Pico de la Zarza, no sul, leva ao ponto mais alto de Fuerteventura, a 807 metros. Um mirante natural no topo revela a vastidão selvagem da Playa de Cofete e as cadeias montanhosas do Parque Natural de Jandía.
Visual igualmente impactante ao exibido pelo percurso até o Barranco de Las Peñitas, um desfiladeiro moldado por séculos de erosão. O caminho atravessa vales secos, terrenos avermelhados e paredões de granito rosa, e passa pelo Arco de Las Peñitas, uma formação rochosa instagramável.
Ciclismo versátil
As mesmas características naturais que tornam Fuerteventura um destino de trilhas históricas e contemplativas a consolidam como rota habitual de treinos da galera da bike, principalmente nos meses de inverno. Estradas bem conservadas, com pouco tráfego fora dos centros urbanos, cortam a ilha de cabo a rabo e permitem pedalar por caminhos inóspitos que alternam retas de areia compacta, subidas sinuosas, descidas técnicas e trilhas à beira-mar.
Grande parte dos percursos do programa Caminos Naturales também é adaptada às bicicletas, com trechos cênicos como Betancuria a Pájara, entre montanhas e mirantes; Costa Calma a Morro Jable, em retas abertas com vista para o oceano, e La Oliva a Corralejo, em zonas vulcânicas com cara de planeta inabitado.
Entre os circuitos mais emblemáticos está o Tracks de Fuerteventura, um roteiro autoguiado de quase 300 quilômetros criado para o mountain bike de aventura. Com trechos bem sinalizados, o modelo permite que cada ciclista adapte o trajeto ao seu ritmo, dividindo o percurso em etapas diárias personalizadas.
Para quem pretende pedaladas light, o mapa Eco-Fuerteventura, disponível nos postos de informações turísticas e no site do Fuerteventura Rural, facilita bem ao detalhar as rotas oficiais de ciclismo (e caminhada!).
Com a popularidade do esporte, muitos resorts oferecem aluguel de bicicletas e contam com bike stations equipadas com áreas de lavagem, manutenção e estrutura para guardar equipamentos. Alguns centros, como o Playitas Resort, dão uma mãozinha para quem busca alto rendimento e recebem equipes profissionais para treinos técnicos de cara para cenários estimulantes.
Para fãs de golfe

Mesmo com a paisagem árida e o clima seco, Fuerteventura abriga quatro campos de golfe para entusiastas do esporte, todos com 18 buracos e abertos ao público em qualquer estação do ano.
O Jandía Golf, no sul da ilha, próximo a Morro Jable, foi desenhado pelo renomado designer Ron Kirby e aproveita os desníveis naturais de um vale cercado por montanhas para oferecer percursos variados e boa infraestrutura para treinos. Em Las Playitas, o campo anexo ao resort esportivo Playitas Resort é mais técnico e exige leitura inteligente do relevo.
Na região de Caleta de Fuste, dois campos se destacam. O Golf Club Salinas de Antigua, assinado pelo bicampeão mundial Manuel Piñero, é do tipo estratégico e ideal para quem busca desafio.
Ao lado, o Fuerteventura Golf Club, anexo ao cinco-estrelas Elba Palace Golf & Vital Hotel, foi o primeiro da ilha a receber classificação de campeonato da PGA, a Associação de Profissionais de Golfe. Projetado pelo arquiteto Juan Catarineu, o campo combina dificuldade moderada com visual vip do mar e já sediou o Open de España de Golf em 2004, integrando temporariamente o calendário do European Tour.
Para descomplicar a vida, muitos hotéis da ilha, especialmente na região de Antigua e Costa Calma, têm pacotes especiais que combinam estadia, passes de golfe e aluguel de equipamento.
Além dos esportes

Pela concentração de atividades ligadas à natureza, Fuerteventura não é uma ilha de consumo rápido. Essa característica explica por que ela fica de fora das rotas dos grandes cruzeiros que lotam vizinhas mais urbanizadas como Tenerife e Gran Canária, as mais populares do arquipélago. Fuerteventura, ao contrário, raramente está abarrotada de turistas. Talvez por isso ainda passe despercebida por muitos brasileiros – anonimato que pode estar com os dias contados.
A ilha vai além dos esportes ao ar livre e mantém um calendário festivo o ano inteiro, do jeitinho que a gente gosta. Sempre há alguma celebração à beira-mar ou nas vilas do interior. Em julho, por exemplo, as Festas de la Virgen del Carmen, padroeira dos pescadores, tomam as ruas e o porto de Corralejo. Em outubro, é a vez das Festas de Nuestra Señora del Rosario, na capital Puerto del Rosario. No verão, as areias das praias viram pistas de dança para festivais de música badalados, como o Caleta Sound Fest, em Caleta de Fuste, realizado em agosto.
As festas são tão autênticas quanto a gastronomia local. O ícone das mesas por lá é o queso majorero, feito com leite da cabra majorera, uma raça raíz, perfeitamente adaptada ao clima seco e à vegetação escassa da ilha (curiosamente, há mais cabras do que habitantes em Fuerteventura!).
O majorero foi o primeiro queijo de cabra na Espanha a obter a Denominação de Origem Protegida (DOP), em 1996. Ele costuma ser servido como entrada, combinado a papas arrugadas (batatinhas cozidas com sal marinho e servidas com mojo rojo ou mojo verde, os molhos típicos das Canárias) ou a um bom gofio escaldado, feito da tradicional farinha tostada de milho ou trigo, de sabor acentuado.
Com tantos ingredientes intensos – no prato e na paisagem – fica fácil entender por que a ilha se chama Fuerteventura. Ou, como preferimos por aqui, uma forte aventura.
