Paris, Vale do Loire, Bordeaux, Borgonha, Costa Azul, Alsácia… Alsácia? Interrogação formada, olho no mapa, de onde exatamente estamos falando? Estou falando de um pedacinho bem no extremo leste da França, esparramado ao longo do Rio Reno e coladinho à Suíça e à Alemanha. A aproximação com os alemães, em especial, serviu para moldar a personalidade da região: estamos na França, mas as influências germânicas pairam por todos os cantos. O passado dividido entre as duas nações é sentido ainda hoje ao visitar cidades como Estrasburgo, Colmar e os diversos vilarejos que permeiam a Rota do Vinho.
Também por esse motivo, a gastronomia alsaciana é híbrida: foie gras e chucrute dividem espaço no mesmo cardápio. Esse detalhe garante um tempero especial à já premiada culinária francesa e o Guia Michelin assina embaixo: são quase 50 restaurantes estrelados, o que garante uma das maiores concentrações de toda a França. Mas comer bem não é a única regra. As cidades charmosas e as vilas que parecem ter saído de algum conto infantil garantem uma vigem de cultura e sensações.
Prepare a sua viagem
Eleja Estrasburgo como cidade-base para começar a explorar a região. Há voos do Brasil até a cidade, com escala em Paris, pela Air France (stop-over é gratuito na ida ou na volta). Existem as opções de fazer o trajeto da capital francesa até Estrasburgo de trem, pela Rail Europe (2h de trajeto), ou de carro (4h30). O automóvel será necessário para viajar entre as cidades, mas não será usado dentro delas, já que todas são ideais para passeios a pé. O aconselhável é alugar o veículo no dia da partida de Estrasburgo, quando começará a viagem pela Rota do Vinho até Colmar. A rota tem ao todo 170 quilômetros, mas muitos fazem apenas os 80 quilômetros que ligam as duas cidades.
A época dos Mercados de Natal, de final de novembro a começo de janeiro, é um dos períodos mais bonitos para visitar a região. Quem quer acompanhar a vindima deve se programar para viajar entre meados de setembro e outubro.
Estrasburgo
Arquitetura alemã, alma francesa, assim é Estrasburgo, a capital da Alsácia, que carrega o título de ser uma das sedes do Parlamento Europeu junto com Bruxelas, na Bélgica, e Luxemburgo. Fácil de explorá-la a pé, a cidade com mais de 2 mil anos de história concentra boa parte de suas atrações na Grande Île, uma ilha situada no centro da cidade e tombada como Patrimônio da Unesco, ou no charmoso bairro Petite France, entrecortado por canais navegáveis.
E navegar é uma boa maneira de ter a primeira ideia de como é a cidade. Apesar de serem bem turísticos (não precisa torcer o nariz por conta disso), os tours de barco são eficientes na hora de apresentar Estrasburgo (bilhetes custam € 12,50). A embarcação contorna a ilha, passa pela Petite France, pela barragem Vauban e vai até a sede do Parlamento Europeu. O local de embarque é ao lado do Palais Rohan, antigo palácio real que hoje abriga os Museus de Arqueologia, Belas Artes e o das Artes Decorativas.
O passeio de barco é coberto pelo Strasbourg Pass (otstrasbourg.fr), passe de € 19,50 que dá direito a acesso gratuito a diversas atrações.
Mas é preciso estar com os pés firmes em terra para ver o maior tesouro da cidade, a Catedral de Estrasburgo. Do século 15, ela é exuberante e tida como uma das obras mais significativas de toda a França. Nas palavras do poeta, artista e estadista Victor Hugo: “A igreja é um prodígio do gigantesco e do delicado”.
Foram necessários 300 anos para construí-la e muitos outros para forrá-la de tantos detalhes. Com paredes em tons avermelhados, fachada repleta de esculturas e ostentando uma torre de 142 metros, o monumento surpreende com seu relógio astronômico de 18 metros. Com um sistema semelhante a um cuco, ele foi idealizado por um time de relojoeiros suíços que criou uma engenhoca que, além de marcar os dias, horas e os meses, faz uma encenação diária (pontualmente às 12h30) com bonecos que representam Cristo, os apóstolos e a vida do homem (€ 3 a entrada, gratuito para quem tem o Strasbourg Pass).
Mas a beleza da igreja tem seu ápice no conjunto de 1.500 metros de vitrais e nas telas com cenas bíblicas. O apreço da população é tão grande pelas obras de arte da igreja que, durante a Segunda Guerra Mundial, os moradores retiraram os vitrais e as telas da catedral e as esconderam em caixas no subsolo. A atitude corajosa garantiu a preservação do acervo, já que Estrasburgo foi parcialmente destruída pelos bombardeios e a catedral teve sua cripta danificada.
Outros ares
Os cantinhos milenares de Estrasburgo ganham fotogenia na Petite France, pedaço com canais, pontes e casas típicas beirando a água. É o lugar mais charmoso da capital – cenário bem diferente de séculos passados, quando o canal era usado pelos curtidores de couro e o cheiro do material impregnava toda a vizinhança.
Apesar do seu apelo medieval e histórico, Estrasburgo vibra em uma atmosfera jovem e cultural – reflexo dos mais de 60 mil estudantes que frequentam as universidades da capital. A noite é animada pelos diversos bares, incluindo os weinstube, tabernas onde o vinho é servido em jarras e as receitas típicas são o carro-chefe. Espere encontrar tortas de cebola e de maçã, chucrute, kassler (lombo suíno) e salada alsaciana (com salsicha branca e queijo gruyère).
Para imortalizar Estrasburgo na sua memória degustativa, reserve uma mesa no requintado Au Crocodile. Apesar do ambiente pomposo, oferece menu executivo no almoço de três etapas por preços a partir de € 48 e receitas puxadas por terrine de foie gras, carne de veado, pernas de rã…
Visita ao parlamento
O parlamento representa cerca de 500 milhões de cidadãos dos 27 Estados-Membros da União. A sede do órgão na França é um prédio envidraçado e de formato arredondado, com grandes átrios e salas. As visitas são gratuitas e há tours em 24 idiomas. Os visitantes podem tirar fotos na sessão plenária e, se tiverem sorte, assistir aos debates. Como os passeios são concorridos, recomenda-se agendar a visita com pelo menos dois meses de antecedência (europarl.europa.eu).
COLMAR
Com atmosfera interiorana e acolhedora, Colmar conquista pelo charme. Muitas ruas têm calçamento de pedra e são rodeadas por casas no estilo Colombage (semelhante ao enxaimel), com jardineiras repletas de flores. Entre as atrações está o centro antigo e a Petite Venise (Pequena Veneza), com suas pontes sobre o Rio La Lauch. Suas margens são cercadas por restaurantes que rendem românticos jantares à beira do canal.
Colmar ficou conhecida por ter sido o lugar onde nasceu Frédéric Auguste Bartholdi, idealizador da Estátua da Liberdade, monumento que a França deu de presente aos Estados Unidos em 1886. A casa em que morou nos primeiros anos de vida abriga um museu que repassa seus principais trabalhos. Os destaques são os croquis e maquetes da estátua americana. Ainda é possível ver os móveis que pertenceram à família e os objetos pessoais do artista (€ 6,50 a entrada).
Mas o acervo mais importante está no Museu de Unterlinden (entrada € 13). Aberto em um antigo convento do século 13, o edifício foi convertido em museu no começo do século 20. Da época, preservaram-se as rígidas paredes de pedras e as reforçadas vigas de madeira. A coleção faz uma viagem a 7 mil anos de história com uma cronologia que começa com peças pré-históricas e se prolonga até a arte moderna. Muitas obras levam a assinatura do artista alemão Martin Schongauer, que viveu muitos anos em Colmar, cujas gravuras ganharam ampla repercussão na Europa.
Outro nome de peso é o de Matthias Grünewald, também alemão, e autor do Retábulo de Issenheim, uma das principais obras da coleção. São nove painéis de madeira adornados com pinturas a óleo com temas relacionados à crucificação de Cristo. O retábulo está em restauração, mas os visitantes podem espiar os trabalhos de restauro da peça, exposto na antiga capela do convento.
Pertinho do museu, a Maison des Têtes rende pausas na frente do prédio do século 17 para fotos e esticadas para almoçar em um de seus dois restaurantes. A fachada traduz o gosto estético (e bem duvidoso) da burguesia francesa da época: 120 cabeças esculpidas em pedra como um sinal de poder e riqueza do dono do prédio. No topo, há uma escultura feita de estanho assinada por Bartholdi. Para uma refeição em um restaurante típico alsaciano, escolha a Brasserie La Maison (€ 24, para comer beef tartar com batatas e salada); para um jantar intimista, fique com o modernoso Girardin (€ 48, preço médio dos pratos).
Outra casa histórica é a Maison Pfister, construída pelo chapeleiro Ludwig Scherer, em 1537. A frente do edifício é pintada com uma série de imagens bíblicas e figuras alegóricas.
O gostinho da região pode ser saboreado em uma das incontáveis weinstubes situadas na adorável região de Petite Venise (pequena Veneza), o ponto mais cartão-postal e “instagramável” de Colmar, em especial na primavera, com o plus das flores colorindo as pontes e os canais.
Para quem quer ter o gostinho de comer em um restaurante estrelado sem comprometer o restante do orçamento da viagem, reserve uma mesa no terraço do JY’S. O peso de ter duas estrelas Michelin não inflacionou o cardápio. O menu do almoço custa € 51 e isso inclui entrada, prato principal e sobremesa. E não espere encontrar receitas clássicas; o sucesso da casa está exatamente na harmoniosa mistura gastronômica proposta pelo chef Jean-Yves Schillinger: ele funde as influências que vêm de ambos os lados da fronteira.
Mercados de Natal
Colmar torna-se ainda mais atraente no final do ano, quando os Mercados de Natal (Marchés de Noël) estão em funcionamento. As banquinhas invadem as ruas e vendem biscoitos natalinos, compotas, queijos, vinhos, brinquedos de madeira e objetos de decoração. O mais bacana é ver os próprios produtores comercializando e falando sobre seus artigos, já que itens industrializados não têm vez por ali. Estrasburgo e as cidades da Rota do Vinho também preparam seus mercados.
Pela rota do vinho
São ao todo 170 quilômetros de estradas permeadas por vilarejos medievais, igrejas centenárias e uma infinidade de plantações. A rota começa em Marlenheim, ao norte de Estrasburgo, e segue até a cidade de Thann, no sul da região. O trajeto é ainda mais concorrido durante a vindima, nos meses de setembro e outubro, época em que a rota fica ainda mais bela e irresistível. A fama da região é atribuída aos vinhos brancos, que representam 90% da produção, em especial a cepa Gewürztraminer. Além dela, os terroirs da Alsácia são tomados pelas castas de uvas Riesling, Moscatel, Pinot Blanc, Pinot Gris, Pinot Noir e Sylvaner. Confira algumas paradinhas pelo caminho:
Ribeauvillé
Uma das principais cidades da rota do vinho, Ribeauvillé rende um passeio por entre suas muralhas ainda conservadas que concentram lojinhas, restaurantes e muitos cafés. É preciso deixar o carro nos bolsões de estacionamento e entrar na vila caminhando. Basicamente, o centrinho histórico com ares medievais concentra os olhares dos visitantes que conseguem ver no alto das montanhas as ruínas dos três castelos que rodeiam a vila, que podem ser acessadas por trilhas. Mas o gostoso mesmo é caminhar sem pressa e escolher uma weinstube para almoçar, boa chance para provar a tradicional Torta Flambée, feita com massa de pão, queijo Fromage Blanc, cebolas e bacon. Acompanhada de uma taça de vinho, fica por € 10.
Riquewihr
Bem menor que Ribeauvillé, Riquewihr também é cercada de muralhas e seu cartão-postal é a Torre de Defesa do século 13. Carros também não entram em seu centrinho histórico pitoresco que, dizem, serviu de inspiração para o filme A Bela e a Fera. O vilarejo é um charme e pede uma paradinha em um de seus cafés para provar a torta mil-folhas.
Eguisheim
É a típica vila perdida no tempo e no espaço que parece que saiu de alguma produção de filme romântico. A caminhada é tranquila pelas vielas de pedra com longos suspiros na frente das casas típicas pintadas de cores fortes e repletas de flores. Na praça central, uma estátua do Papa Leão IX faz homenagem ao mais famoso cidadão nascido ali, em 1002. É muito semelhante a Colmar, mas o passeio ali pede parada em uma das adegas mais tradicionais da região. A família Beyer é fabricante de vinho desde 1580 e donos da vinícola Léon Beyer. As visitas são comandadas por pessoas da família que mostram diversos detalhes do casarão. O tour termina com degustação.
Place Château St Léon, 68.420, Eguisheim, leonbeyer.fr. Muitas degustações são gratuitas mediante a compra de uma garrafa.
Mulhouse
Cidade grande no roteiro do vinho, Mulhouse não foge à regra com uma praça central histórica e uma bela catedral. O que foge do comum ali é o magnifico Museu do Automóvel, considerado o maior do gênero no mundo. Aberto em um prédio moderno e totalmente conceitual, logo na entrada, protótipos de carros estão suspensos na fachada; o acervo conta a história do primeiro modelo criado em 1878 até os dias atuais. Quase 250 modelos estão expostos em um espaço de 17 mil m² , organizados por ordem cronológica. A decoração do salão é feita por 800 postes de luz idênticos aos da Ponte Alexandre III, em Paris. Os destaques ficam por conta da área dos carros de corrida e a dedicada às obras-primas do mundo automobilístico. 17 Rue de la Mertzau,citedelautomobile.com, € 16.
Prepare a sua viagem:
É a típica vila perdida no tempo e no espaço que parece que saiu de alguma produção de filme romântico. A caminhada é tranquila e sem pressa pelas vielas de pedra com longos suspiros na frente das casas típicas pintadas de cores fortes e repletas de flores.