Kai Tak, considerado ao longo de 73 anos o aeroporto mais assustador do planeta, hoje é um moderno complexo de turismo em Hong Kong
O Aeroporto Internacional Kai Tak permaneceu em operação entre 1925 e 1998 como o único de Hong Kong. Localizado no coração de Kowloon, cercado por arranha-céus, montanhas e o Porto Vitória, o terminal entrou para a história como um dos lugares mais desafiadores para pousar aviões de grande porte.
A pista única se estendia para dentro da baía através de aterro. Montanhas de até 600 metros bloqueavam três lados do aeroporto. Do lado sul, o Porto Vitória ficava a menos de dez quilômetros. Apenas o oeste e sudeste da pista não tinham obstáculos naturais.
A temida manobra final
A aproximação mais famosa ficou conhecida como “Hong Kong Turn”. Pilotos precisavam realizar uma curva de 47 graus manualmente a menos de 300 metros de altitude. A manobra acontecia a apenas 2,6 quilômetros do ponto de pouso.
Um grande tabuleiro quadriculado laranja e branco pintado em uma colina servia como referência visual para os pilotos durante a aproximação final. Somente pilotos com treinamento especial podiam tentar o pouso em Kai Tak. Um erro poderia resultar em tragédia.
As aeronaves passavam tão perto dos apartamentos que os passageiros conseguiam ver detalhes dentro das residências. Um ex-piloto da Cathay Pacific – empresa de Hong Kong que operava o Boeing 747 no local – descreveu a experiência como totalmente única, voando literalmente entre prédios altos.
Vida sob a rota
Os moradores da região conviviam com o barulho ensurdecedor das turbinas a poucos metros de suas cabeças. Professores precisavam interromper aulas para aguardar a passagem dos aviões, e o ruído alcançava 100 decibéis diariamente. Roupas voavam das varandas e eletrodomésticos tremiam a cada aproximação.
O governo implementou um toque de recolher entre 23h30 e 6h30 para reduzir a poluição sonora. Mesmo assim, em 1996, o aeroporto movimentou mais de 29 milhões de passageiros. Kai Tak era o terceiro aeroporto mais movimentado do mundo naquele ano.
Crescimento limitado
A capacidade original do aeroporto previa 24 milhões de passageiros por ano. Em 1996, esse número chegou a 30 milhões. A falta de espaço impedia qualquer expansão da infraestrutura.
O aeroporto no centro de Hong Kong dificultava a construção de novos arranha-céus porque eles interferiam nas rotas de aproximação. O planejamento urbano da cidade ficou comprometido pela presença do Kai Tak.
A última decolagem
As autoridades decidiram construir um novo aeroporto em Chek Lap Kok, numa ilha isolada próxima a Lantau. Em 6 de julho de 1998, Kai Tak encerrou oficialmente suas operações após 73 anos. Multidões se reuniram na orla para testemunhar a última decolagem de um Jumbo da Cathay Pacific.
Richard Siegel, então diretor de aviação civil, proferiu a célebre frase “Adeus, Kai Tak, e obrigado” ao desligar as luzes da pista pela última vez.
Renascimento como terminal de cruzeiros
O Terminal de Cruzeiros Kai Tak iniciou operações em junho de 2013, quando o navio Mariner of the Seas atracou como primeira embarcação. O projeto arquitetônico ficou sob responsabilidade do escritório Foster + Partners.
A antiga pista do aeroporto se transformou num terminal futurista em formato de onda. A estrutura pode receber simultaneamente dois navios de até 360 metros de comprimento, acomodando 5.400 passageiros e 1.200 tripulantes.
O terminal possui três andares com áreas para bagagens, alfândega e imigração. O terraço abriga o maior jardim suspenso de Hong Kong, com 23 mil metros quadrados. O projeto recebeu a classificação máxima BEAM Plus Platinum do Conselho de Construção Verde de Hong Kong.
Kai Tak virou bairro moderno
Onde antes ficava o fim da pista, hoje existe um parque público tranquilo com vista para o mar. Ao redor surgem prédios de luxo, shoppings e hotéis. Kai Tak se tornou um dos bairros mais modernos da cidade.
O terminal maneja mais de 80% das chamadas de cruzeiros de Hong Kong. Em 2017, antes da pandemia, o local recebeu 190 navios e 732 mil passageiros. A estrutura atende rotas vindas do Japão, Vietnã, Austrália e Sudeste Asiático.
Para quem conheceu o antigo aeroporto, o lugar sempre guardará ecos do passado. Kai Tak não assusta mais ninguém, mas sua lenda permanece viva na memória da aviação mundial.
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